Feira Missionária
Convite
" A Igreja convida-nos a aprender de Maria (...) a contemplar o projecto de amor do pai pela humanidade, para amá-la como Ele a ama."
Mensagem Bento XVI, Dia Mundial das Missões 2010
sexta-feira, 8 de abril de 2016
Leia a síntese
da Exortação "A alegria do amor"
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2016-04-08 Rádio Vaticana
Cidade do Vaticano (RV) - “Amoris laetitia” (AL - “A alegria do amor”), a Exortação apostólica pós-sinodal “sobre o amor na família”, datada não por acaso de 19
de março, Solenidade de S. José, recolhe os resultados de dois Sínodos sobre a
família convocados pelo Papa Francisco em 2014 e 2015, cujas Relações
conclusivas são abundantemente citadas, juntamente com documentos e
ensinamentos dos seus Predecessores e as numerosas catequeses sobre a família
do próprio Papa Francisco. Contudo, como já sucedeu noutros documentos
magisteriais, o Papa recorre também a contributos de diversas Conferências
episcopais de todo o mundo (Quênia, Austrália, Argentina...) e a citações de
personalidades de relevo, como Martin Luther King ou Erich Fromm. Ressalta em
particular uma citação do filme “A Festa de Babette”, que o Papa recorda para
explicar o conceito de gratuitidade.
Premissa
A Exortação apostólica chama a atenção
pela sua amplitude e articulação. Está dividida em nove capítulos e mais de 300
parágrafos. Tem início com sete parágrafos introdutórios que evidenciam a plena
consciência da complexidade do tema, que requer ser aprofundado. Afirma-se que
as intervenções dos Padres no Sínodo constituíram um «precioso poliedro» (AL 4)
que deve ser preservado. Neste sentido, o Papa escreve que «nem todas as
discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de
intervenções magisteriais». Por conseguinte, para algumas questões «em cada
país ou região, é possível buscar soluções mais inculturadas, atentas às
tradições e aos desafios locais. De facto,“as culturas são muito diferentes
entre si e cada princípio geral (...), se quiser ser observado e aplicado,
precisa de ser inculturado”» (AL 3). Este princípio de inculturação revela-se
como muito importante até no modo de articular e compreender os problemas, modo
esse que, sem entrar nas questões dogmáticas bem definidas pelo Magistério da
Igreja, não pode ser «globalizado».
Mas sobretudo o Papa afirma de imediato
e com clareza que é necessário sair da estéril contraposição entre a ânsia de
mudança e a aplicação pura e simples de normas abstratas. Escreve: «Os debates,
que têm lugar nos meios de comunicação ou em publicações e mesmo entre
ministros da Igreja, estendem-se desde o desejo desenfreado de mudar tudo sem
suficiente reflexão ou fundamentação até à atitude que pretende resolver tudo
através da aplicação de normas gerais ou deduzindo conclusões excessivas de
algumas reflexões teológicas» (AL 2).
Capítulo primeiro: “À luz da Palavra”
Enunciadas estas premissas, o Papa
articula a sua reflexão a partir das Sagradas Escrituras no primeiro capítulo,
que se desenvolve como uma meditação acerca do Salmo 128, característico da
liturgia nupcial hebraica, assim como da cristã. A Bíblia «aparece cheia de
famílias, gerações, histórias de amor e de crises familiares» (AL 8) e a partir
deste dado pode meditar-se como a família não é um ideal abstrato, mas uma
«tarefa “artesanal”» (AL 16) que se exprime com ternura (AL 28), mas que se viu
confrontada desde o início também pelo pecado, quando a relação de amor se
transformou em domínio (cf. AL 19). Então, a Palavra de Deus «não se apresenta
como uma sequência de teses abstratas, mas como uma companheira de viagem,
mesmo para as famílias que estão em crise ou imersas nalguma tribulação,
mostrando-lhes a meta do caminho» (AL 22).
Capítulo segundo: “A realidade e os desafios das famílias”
Partindo do terreno bíblico, o Papa
considera no segundo capítulo a situação atual das famílias, mantendo «os pés
assentes na terra» (AL 6), bebendo com abundância das Relações conclusivas dos
dois Sínodo se enfrentando numerosos desafios, desde o fenômeno migratório à
negação ideológica da diferença de sexo («ideologia de gênero»); da cultura do
provisório à mentalidade anti-natalidade e ao impacto das biotecnologias no
campo da procriação; da falta de habitação e de trabalho à pornografia e ao
abuso de menores; da atenção às pessoas com deficiência ao respeito pelos
idosos; da desconstrução jurídica da família à violência para com as mulheres.
O Papa insiste no carácter concreto, que é um elemento fundamental da
Exortação. E é este carácter concreto e realista que estabelece uma diferença
substancial entre «teorias» de interpretação da realidade e «ideologias».
Citando a Familiaris consortio, Francisco afirma que «é salutar
prestar atenção à realidade concreta, porque “os pedidos e os apelos do
Espírito ressoam também nos acontecimentos da história” através dos quais “a
Igreja pode ser guiada para uma compreensão mais profundado inexaurível
mistério do matrimônio e da família”» (AL 31). Sem escutar a realidade não é
possível compreender nem as exigências do presente nem os apelos do Espírito. O
Papa nota que o individualismo exacerbado torna hoje difícil a doação a uma
outra pessoa de uma maneira generosa (cf. AL 33). Eis um interessante retrato
da situação: «Teme-se a solidão, deseja-se um espaço de proteção e fidelidade
mas, ao mesmo tempo, cresce o medo de ficar encurralado numa relação que possa
adiar a satisfação das aspirações pessoais» (AL 34).
A humildade do realismo ajuda a não
apresentar «um ideal teológico do matrimônio demasiado abstrato, construído
quase artificialmente, distante da situação concreta e das possibilidades
efetivas das famílias tais como são» (AL 36). O idealismo não permite
considerar o matrimônio assim como é, ou seja, «um caminho dinâmico de
crescimento e realização». Por isso, também não se pode julgar que se possa
apoiar as famílias «com a simples insistência em questões doutrinais, bioéticas
e morais, sem motivar a abertura à graça» (AL 37). Convidando a uma certa
“autocrítica” de uma apresentação não adequada da realidade matrimonial e
familiar, o Papa insiste na necessidade de dar espaço à formação da consciência
dos fiéis: «Somos chamados aformar as consciências, não a pretender
substituí-las» (AL37). Jesus propunha um ideal exigente, mas «não perdia jamais
a proximidade compassiva às pessoas frágeis como a samaritana ou a mulher
adúltera» (AL 38).
Capítulo terceiro: “O olhar fixo em Jesus: a vocação da família”
O terceiro capítulo é dedicado a alguns elementos essenciais do ensinamento
da Igreja acerca do matrimônio e da família. É importante a presença deste
capítulo, porque ilustra de uma maneira sintética em 30 parágrafos a vocação à
família de acordo com o Evangelho, assim como ela foi recebida pela Igreja ao
longo do tempo, sobretudo quanto ao tema da indissolubilidade, da
sacramentalidade do matrimônio, da transmissão da vida e da educação dos
filhos. Fazem-se inúmeras citações da Gaudium et spes do
Vaticano II, da Humanae vitaede Paulo VI, da Familiaris
consortio de João Paulo II.
O olhar é amplo e inclui também as «situações imperfeitas». Com efeito,
lemos: «“O discernimento da presença das semina Verbi nas
outras culturas (cf. Ad gentes, 11) pode-se aplicar também à realidade
matrimonial e familiar. Para além do verdadeiro matrimônio natural, há
elementos positivos também nas formas matrimoniais doutras tradições
religiosas”, embora não faltem também as sombras» (AL 77). A reflexão inclui
ainda as «famílias feridas», a propósito das quais o Papa afirma - citando a Relatio
finalis do Sínodo de 2015 —«é preciso lembrar sempre um princípio
geral: “Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir
bem as situações” (Familiaris consortio, 84). O grau de responsabilidade
não é igual em todos os casos, e podem existir fatores que limitem a capacidade
de decisão. Por isso, ao mesmo tempo que se exprime com clareza adoutrina, há
que evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diferentes
situações,e é preciso estar atentos ao modo como as pessoas vivem e sofrem por
causa da sua condição» (AL 79).
Capítulo quarto: “O amor no matrimónio”
O quarto capítulo trata do amor no
matrimônio e ilustra-o a partir do “hino ao amor” de São Paulo de 1 Cor 13,
4-7. O capítulo é uma verdadeira e autêntica exegese cuidadosa, precisa,
inspirada e poética do texto paulino. Poderemos dizer que se trata de uma
coleção de fragmentos de um discurso amoroso que cuida de descrever o amor
humano em termos absolutamente concretos. Surpreende-nos a capacidade de
introspeção psicológica evidenciada por esta exegese. O aprofundamento
psicológico chega ao mundo das emoções dos cônjuges - positivas e negativas - e
à dimensão erótica do amor.Este é um contributo extremamente rico e precioso
para a vida cristã dos cônjuges, que não tinha até agora paralelo em anteriores
documentos papais.
À sua maneira, este capítulo constitui
um pequeno tratado no conjunto de um desenvolvimento mais amplo, plenamente
consciente do carácter quotidiano do amor que se opõe a todos os idealismos:
«não se deve atirar para cima de duas pessoas limitadas o peso tremendo de ter
que reproduzir perfeitamente a união que existe entre Cristo e a sua Igreja,
porque o matrimônio como sinal implica “um processo dinâmico, que avança
gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus”» (AL 122). Mas, por
outro lado, o Papa insiste de modo enérgico e firme no facto de que «na própria
natureza do amor conjugal, existe a abertura ao definitivo» (AL 123)
precisamente no íntimo daquela «combinação necessária de alegrias e fadigas, de
tensões e repouso, de sofrimentos e libertações, de satisfações e buscas, de
aborrecimentos e prazeres» (Al 126) que é de facto o matrimônio.
O capítulo conclui-se com uma reflexão
muito importante acerca da «transformação do amor» uma vez que «o alongamento
da vida provocou algo que não era comum noutros tempos: a relação íntima e a
mútua pertença devem ser mantidas durante quatro, cinco ou seis décadas, e isto
gera a necessidade de renovar repetidas vezes a recíproca escolha» (AL 163). A
aparência física transforma-se e a atração amorosa não desaparece, mas muda:
com o tempo, o desejo sexual pode transformar-se em desejo de intimidade e
«cumplicidade». «Não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos
durante a vida inteira; mas podemos ter um projeto comum estável,
comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe, e viver
sempre uma rica intimidade» (AL 163).
Capítulo quinto: “O amor que se torna fecundo”
O quinto capítulo centra-se por completo na fecundidade e no carácter
gerador do amor. Fala-se de uma maneira espiritualmente e psicologicamente
profunda do acolher uma nova vida, da espera própria da gravidez, do amor de
mãe e de pai. Mas também da fecundidade alargada, da adoção, do acolhimento do
contributo das famílias para a promoção de uma “cultura do encontro”, da vida
na família em sentido amplo, com a presença de tios, primos, parentes dos
parentes, amigos. A Amoris laetitia não toma em consideração a
família «mononuclear», mas está bem consciente da família como rede de relações
alargadas. A própria mística do sacramento do matrimônio tem um profundo
carácter social (cf. AL 186). E no âmbito desta dimensão social, o Papa
sublinha em particular tanto o papel específico da relação entre jovens e
idosos, como a relação entre irmãos como aprendizagem de crescimento na relação
com os outros.
Capítulo sexto: “Algumas perspetivas pastorais”
No sexto capítulo, o Papa aborda algumas
vias pastorais que orientam para a edificação de famílias sólidas e fecundas de
acordo com o plano de Deus. Nesta parte, a Exortação recorre às Relações
conclusivas dos dois Sínodos e às catequeses do Papa Francisco e de João Paulo
II. Volta-se a sublinhar que as famílias são sujeito e não apenas objeto de
evangelização. O Papa observa que «os ministros ordenados carecem,
habitualmente, de formação adequada para tratar dos complexos problemas atuais
das famílias» (AL 202). Se, por um lado, é necessário melhorar a formação
psicoafetiva dos seminaristas e envolver mais a família na formação para o
ministério (cf. AL 203), por outro «pode ser útil também a experiência da longa
tradição oriental dos sacerdotes casados» (AL 202).
Em seguida, o Papa desenvolve o tema da
orientação dos noivos no caminho de preparação para o matrimônio, do
acompanhamento dos esposos nos primeiros anos da vida matrimonial (incluindo o
tema da paternidade responsável), mas também em algumas situações complexas e,
em particular, nas crises, sabendo que «cada crise esconde uma boa notícia, que
é preciso saber escutar, afinando os ouvidos do coração» (AL 232). São
analisadas algumas causas de crise, entre elas uma maturação afetiva retardada
(cf. AL 239).
Além disso, fala-se também do
acompanhamento das pessoas abandonadas, separadas ou divorciadas e sublinha-se
a importância da recente reforma dos procedimentos para o reconhecimento dos
casos de nulidade matrimonial. Coloca-se em relevo o sofrimento dos filhos nas
situações de conflito e conclui-se: «O divórcio é um mal, e é muito preocupante
o aumento do número de divórcios. Por isso, sem dúvida, a nossa tarefa pastoral
mais importante relativamente às famílias é reforçar o amor e ajudar a curar as
feridas, para podermos impedir o avanço deste drama do nosso tempo» (AL 246).
Referem-se de seguida as situações dos matrimônios mistos e daqueles com
disparidade de culto, e a situação das famílias que têm dentro de si pessoas
com tendência homossexual, insistindo no respeito para com elas e na recusa de
qualquer discriminação injusta e de todas das formas de agressão e violência. A
parte final do capítulo, «quando a morte crava o seu aguilhão», é de grande
valor pastoral, tocando o tema da perda das pessoas queridas e da viuvez.
Capítulo sétimo: “Reforçar a educação dos filhos”
O sétimo capítulo é totalmente dedicado
à educação dos filhos: a sua formação ética, o valor da sanção como estímulo, o
realismo paciente, a educação sexual, a transmissão da fé e, mais em geral, a
vida familiar como contexto educativo. É interessante a sabedoria prática que
transparece em cada parágrafo e sobretudo a atenção à gradualidade e aos
pequenos passos que «possam ser compreendidos, aceites e apreciados» (AL 271).
Há um parágrafo particularmente
significativo e de um valor pedagógico fundamental em que Francisco afirma com
clareza que «a obsessão (...) não é educativa; e também não é possível ter o
controle de todas as situações onde um filho poderá chegar a encontrar-se
(...). Se um progenitor está obcecado com saber onde está o seu filho e
controlar todos os seus movimentos, procurará apenas dominar o seu espaço. Mas,
desta forma, não o educará, não o reforçará, não o preparará para enfrentar os
desafios. O que interessa acima de tudo é gerar no filho, com muito amor,
processos de amadurecimento da sua liberdade, de preparação, de crescimento
integral, de cultivo da autêntica autonomia» (AL 261).
A secção dedicada à educação sexual é
notável, e intitula-se muito expressivamente: «Sim à educação sexual».
Sustenta-se a sua necessidade e formula-se a interrogação de saber «se as
nossas instituições educativas assumiram este desafio (…) num tempo em que se
tende a banalizar e empobrecer a sexualidade». A educação sexual deve ser
realizada«no contexto duma educação para o amor, para a doação mútua» (AL 280).
É feita uma advertência em relação à expressão «sexo seguro», pois
transmite«uma atitude negativa a respeito da finalidade procriadora natural da
sexualidade, como se um possível filho fosse um inimigo de que é preciso
proteger-se. Deste modo promove-se a agressividade narcisista, em vez do
acolhimento» (AL 283).
Capítulo oitavo: “Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade”
O capítulo oitavo representa um convite
à misericórdia e ao discernimento pastoral diante de situações que não
correspondem plenamente ao que o Senhor propõe. O Papa usa aqui três verbos
muito importantes: «acompanhar, discernir e integrar», os quais são
fundamentais para responder a situações de fragilidade, complexas ou
irregulares. Em seguida, apresenta a necessária gradualidade na pastoral, a
importância do discernimento, as normas e circunstâncias atenuantes no
discernimento pastoral e, por fim, aquela que é por ele definida como a «lógica
da misericórdia pastoral».
O oitavo capítulo é muito delicado. Na
sua leitura deve recordar-se que «muitas vezes, o trabalho da Igreja é semelhante
ao de um hospital de campanha» (AL 291). O Pontífice assume aqui aquilo que foi
fruto da reflexão do Sínodo acerca de temáticas controversas. Reforça-se o que
é o matrimônio cristão e acrescenta-se que «algumas formas de união contradizem
radicalmente este ideal, enquanto outras o realizam pelo menos de forma parcial
e analógica». Por conseguinte, «a Igreja não deixa de valorizar os elementos
construtivos nas situações que ainda não correspondem ou já não correspondem à
sua doutrina sobre o matrimônio» (AL 292).
No que respeita ao «discernimento»
acerca das situações «irregulares», o Papa observa: «temos de evitar juízos que
não tenham em conta a complexidade das diversas situações e é necessário estar
atentos ao modo em que as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição» (AL
296). E continua: «Trata-se de integrar a todos, deve-se ajudar cada um a
encontrar a sua própria maneira de participar na comunidade eclesial, para que
se sinta objeto duma misericórdia “imerecida, incondicional e gratuita”»(AL
297). E ainda: «Os divorciados que vivem numa nova união, por exemplo, podem
encontrar-se em situações muito diferentes, que não devem ser catalogadas ou
encerradas em afirmações demasiado rígidas, sem deixar espaço para um adequado
discernimento pessoal e pastoral» (AL 298).
Nesta linha, acolhendo as observações de
muitos Padres sinodais , o Papa afirma que «os batizados que se divorciaram e
voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na comunidade cristã sob
as diferentes formas possíveis, evitando toda a ocasião de escândalo». «A sua
participação pode exprimir-se em diferentes serviços eclesiais (…).Não devem
sentir-se excomungados, mas podem viver e maturar como membros vivos da Igreja
(…). Esta integração é necessária também para o cuidado e a educação cristã dos
seus filhos» (AL 299).
Mais em geral, o Papa profere uma
afirmação extremamente importante para que se compreenda a orientação e o
sentido da Exortação: «Se se tiver em conta a variedade inumerável de situações
concretas (…) é compreensível que se não devia esperar do Sínodo ou desta
Exortação uma nova normativa geral de tipo canônico, aplicável a todos os
casos. É possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento
pessoal e pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer: uma vez que
“o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos”, as consequências ou
efeitos duma norma não devem necessariamente ser sempre os mesmos» (AL 300). O
Papa desenvolve em profundidade as exigências e características do caminho de acompanhamento
e discernimento em diálogo profundo entre fiéis e pastores. A este propósito,
faz apelo à reflexão da Igreja «sobre os condicionamentos e as circunstâncias
atenuantes» no que respeita à imputabilidade das ações e, apoiando-se em S.
Tomás de Aquino, detém-se na relação entre «as normas e o discernimento»,
afirmando: «É verdade que as normas gerais apresentam um bem que nunca se deve
ignorar nem transcurar, mas, na sua formulação, não podem abarcar absolutamente
todas as situações particulares. Ao mesmo tempo é preciso afirmar que,
precisamente por esta razão, aquilo que faz parte dum discernimento prático
duma situação particular não pode ser elevado à categoria de norma» (AL 304).
Na última secção do capítulo, «A lógica
da misericórdia pastoral», o Papa Francisco, para evitar equívocos, reafirma
com vigor: «A compreensão pelas situações excecionais não implica jamais
esconder a luz do ideal mais pleno, nem propor menos de quanto Jesus oferece ao
ser humano. Hoje, mais importante do que uma pastoral dos falimentos é o
esforço pastoral para consolidar os matrimônio se assim evitar as ruturas» (AL
307). Mas o sentido abrangente do capítulo e do espírito que o Papa Francisco
pretende imprimir à pastoral da Igreja encontra um resumo adequado nas palavras
finais: «Convido os fiéis, que vivem situações complexas, a aproximar-se com
confiança para falar com os seus pastores ou com leigos que vivem entregues ao
Senhor. Nem sempre encontrarão neles uma confirmação das próprias ideias ou
desejos, mas seguramente receberão uma luz que lhes permita compreender melhor
o que está a acontecer e poderão descobrir um caminho de amadurecimento
pessoal. E convido os pastores a escutar, com carinho e serenidade, com o
desejo sincero de entrar no coração do drama das pessoas e compreender o seu
ponto de vista, para ajudá-las a viver melhor e reconhecer o seu lugar na
Igreja» (AL 312). Acerca da «lógica da misericórdia pastoral», o Papa Francisco
afirma com força: «Às vezes custa-nos muito dar lugar, na pastoral, ao amor incondicional
de Deus. Pomos tantas condições à misericórdia que a esvaziamos de sentido
concreto e real significado, e esta é a pior maneira de aguar o Evangelho» (AL
311).
Capítulo nono: “Espiritualidade conjugal e familiar”
O nono capítulo é dedicado à espiritualidade
conjugal e familiar, «feita de milhares de gestos reais e concretos» (AL 315).
Diz-se com clareza que «aqueles que têm desejos espirituais profundos não devem
sentir que a família os afasta do crescimento na vida do Espírito, mas é um
percurso de que o Senhor Se serve para os levar às alturas da união mística»
(AL 316). Tudo, «os momentos de alegria, o descanso ou a festa, e mesmo a
sexualidade são sentidos como uma participação na vida plena da sua
Ressurreição» (AL 317). Fala-se de seguida da oração à luz da Páscoa, da
espiritualidade do amor exclusivo e livre diante do desafio e do desejo de
envelhecer e gastar-se juntos, refletindo a fidelidade de Deus (cf. AL 319). E,
por fim, a espiritualidade «da solicitude, da consolação e do estímulo». «Toda
a vida da família é um “pastoreio” misericordioso. Cada um, cuidadosamente,
desenha e escreve na vida do outro» (AL 322), escreve o Papa. «É uma
experiência espiritual profunda contemplar cada ente querido com os olhos de
Deus e reconhecer Cristo nele» (AL 323).
No parágrafo conclusivo,o Papa afirma:
«Nenhuma família é uma realidade perfeita e confeccionada duma vez para sempre,
mas requer um progressivo amadurecimento da sua capacidade de amar. (…). Todos
somos chamados a manter viva a tensão para algo mais além de nós mesmos e dos
nossos limites, e cada família deve viver neste estímulo constante. Avancemos,
famílias; continuemos a caminhar! (…). Não percamos a esperança por causa dos
nossos limites, mas também não renunciemos a procurar a plenitude de amor e
comunhão que nos foi prometida» (AL 325).
A Exortação apostólica conclui-se com
uma Oração à Sagrada Família (AL 325).
* * *
Como já se pode depreender a partir de um rápido exame dos seus conteúdos,
a Exortação apostólica Amoris laetitia pretende reafirmar com
força não o «ideal» da família, mas a sua realidade rica e complexa. Há nas
suas páginas um olhar aberto, profundamente positivo, que se nutre não de
abstrações ou projeções ideais, mas de uma atenção pastoral à realidade. O
documento é uma leitura densa de motivos espirituais e de sabedoria prática
útil a cada casal ou a pessoas que desejam construir uma família. Nota-se
sobretudo que foi fruto de uma experiência concreta com pessoas que sabem a
partir da experiência o que é a família e o viver juntos durante muitos anos. A
Exortação fala de fato a linguagem da experiência e da esperança.
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