Convite


" A Igreja convida-nos a aprender de Maria (...) a contemplar o projecto de amor do pai pela humanidade, para amá-la como Ele a ama."



Mensagem Bento XVI, Dia Mundial das Missões 2010
















domingo, 24 de janeiro de 2016

NOVO PRESIDENTE
http://www.dn.pt/portugal/interior/marcelo-rebelo-de-sousa-o-comentador-que-chegou-a-belem-4997212.html

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016



[Povo] Votar é um dever
https://mail.google.com/mail/u/0/?tab=wm#inbox/15268aae7e4b6232

“…os fiéis leigos não podem de maneira nenhuma abdicar de participar na ‘política’, ou seja, na multíplice e variada acção económica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover de forma orgânica e institucional o bem comum”

VOTE POR SI E POR PORTUGAL, MAS VOTE DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS CRISTÃOS QUE REGEM A SUA VIDA!


CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
NOTA DOUTRINAL 
sobre algumas questões relativas
à participação e comportamento dos católicos na vida política

A Congregação para a Doutrina da Fé, ouvido também o parecer do Pontifício Conselho para os Leigos, achou por bem publicar a presente “Nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política”. A Nota é endereçada aos Bispos da Igreja Católica e, de modo especial, aos políticos católicos e a todos os fiéis leigos chamados a tomar parte na vida pública e política nas sociedades democráticas.

I. Um ensinamento constante
1. O empenho do cristão no mundo em dois mil anos de história manifestou-se seguindo diversos percursos. Um deles concretizou-se através da participação na acção política: os cristãos, afirmava um escritor eclesiástico dos primeiros séculos, “participam na vida pública como cidadãos”[1]. A Igreja venera entre os seus Santos numerosos homens e mulheres que serviram a Deus através do seu generoso empenho nas actividades políticas e de governo. Entre eles, São Tomás Moro, proclamado Padroeiro dos Governantes e dos Políticos, soube testemunhar até ao martírio a “dignidade inalienável da consciência”[2]. Embora sujeito a diversas formas de pressão psicológica, negou-se a qualquer compromisso e, sem abandonar “a constante fidelidade à autoridade e às legítimas instituições” em que se distinguiu, afirmou com a sua vida e com a sua morte que “o homem não pode separar-se de Deus nem a política da moral”[3].  
As sociedades democráticas actuais, onde louvavelmente todos participam na gestão da coisa pública num clima de verdadeira liberdade[4], exigem novas e mais amplas formas de participação na vida pública da parte dos cidadãos, cristãos e não cristãos. Todos podem, de facto, contribuir através do voto na eleição dos legisladores e dos governantes e, também de outras formas na definição das orientações políticas e das opções legislativas que, no seu entender, melhor promovam o bem comum[5]. Num sistema político democrático, a vida não poderia processar-se de maneira profícua sem o envolvimento activo, responsável e generoso de todos, “mesmo na diversidade e complementaridade de formas, níveis, funções e responsabilidades”[6].
Através do cumprimento dos comuns deveres civis, “guiados pela consciência cristã”[7] e em conformidade com os valores com ela congruentes, os fiéis leigos desempenham também a função que lhes é própria de animar cristãmente a ordem temporal, no respeito da natureza e da legítima autonomia da mesma[8], e cooperando com os outros cidadãos, segundo a sua competência específica e sob a própria responsabilidade[9]. É consequência deste ensinamento fundamental do Concílio Vaticano II que “os fiéis leigos não podem de maneira nenhuma abdicar de participar na ‘política’, ou seja, na multíplice e variada acção económica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover de forma orgânica e institucional o bem comum”[10], que compreende a promoção e defesa de bens, como são a ordem pública e a paz, a liberdade e a igualdade, o respeito da vida humana e do ambiente, a justiça, a solidariedade, etc.
A presente Nota não tem a pretensão de repropor o inteiro ensinamento da Igreja em matéria, aliás resumido, nas suas linhas essenciais, no Catecismo da Igreja Católica; entende apenas relembrar alguns princípios próprios da consciência cristã, que inspiram o empenho social e político dos católicos nas sociedades democráticas[11]. Fá-lo, porque nestes últimos tempos, não raras vezes sob a pressão dos acontecimentos, apareceram orientações ambíguas e posições discutíveis, que tornam oportuna a clarificação de aspectos e dimensões importantes da temática em questão.

II. Alguns pontos fulcrais no actual debate cultural e político
2. A sociedade civil encontra-se hoje dentro de um processo cultural complexo, que evidencia o fim de uma época e a incerteza relativamente à nova que desponta no horizonte. As grandes conquistas de que se é espectadores obrigam a rever o caminho positivo que a humanidade percorreu no progresso e na conquista de condições de vida mais humanas. O crescimento de responsabilidades para com os Países ainda em fase de desenvolvimento é certamente um sinal de grande relevância, que denota a crescente sensibilidade pelo bem comum. Ao mesmo tempo, porém, não se podem ignorar os graves perigos, para os quais certas tendências culturais tentam orientar as legislações e, por conseguinte, os comportamentos das futuras gerações. 
Constata-se hoje um certo relativismo cultural, que apresenta sinais evidentes da sua presença, quando teoriza e defende um pluralismo ético que sanciona a decadência e a dissolução da razão e dos princípios da lei moral natural. Em conformidade com essa tendência, não é raro, infelizmente, encontrar, em declarações públicas, afirmações que defendem que esse pluralismo ético é condição para a democracia[12]. Assim, verifica-se que, por um lado, os cidadãos reivindicam para as próprias escolhas morais a mais completa autonomia e, por outro, os legisladores julgam respeitar essa liberdade de escolha, quando formulam leis que prescindem dos princípios da ética natural, deixando-se levar exclusivamente pela condescendência com certas orientações culturais ou morais transitórias[13], como se todas as concepções possíveis da vida tivessem o mesmo valor. Ao mesmo tempo, invocando erroneamente o valor da tolerância, pede-se a uma boa parte dos cidadãos – entre eles, aos católicos – que renunciem a contribuir para a vida social e política dos próprios Países segundo o conceito da pessoa e do bem comum que consideram humanamente verdadeiro e justo, a realizar através dos meios lícitos que o ordenamento jurídico democrático põe, de forma igual, à disposição de todos os membros da comunidade política. Basta a história do século XX para demonstrar que a razão está do lado daqueles cidadãos que consideram totalmente falsa a tese relativista, segundo a qual, não existiria uma norma moral, radicada na própria natureza do ser humano e a cujo ditame deva submeter-se toda a concepção do homem, do bem comum e do Estado. 
3. Uma tal concepção relativista do pluralismo nada tem a ver com a legítima liberdade dos cidadãos católicos de escolherem, entre as opiniões políticas compatíveis com a fé e a lei moral natural, a que, segundo o próprio critério, melhor se coaduna com as exigências do bem comum. A liberdade política não é nem pode ser fundada sobre a ideia relativista, segundo a qual, todas as concepções do bem do homem têm a mesma verdade e o mesmo valor, mas sobre o facto de que as actividades políticas visam, vez por vez, a realização extremamente concreta do verdadeiro bem humano e social, num contexto histórico, geográfico, económico, tecnológico e cultural bem preciso. Do concreto da realização e da diversidade das circunstâncias brota necessariamente a pluralidade de orientações e de soluções, que porém devem ser moralmente aceitáveis. Não cabe à Igreja formular soluções concretas – e muito menos soluções únicas – para questões temporais, que Deus deixou ao juízo livre e responsável de cada um, embora seja seu direito e dever pronunciar juízos morais sobre realidades temporais, quando a fé ou a lei moral o exijam[14]. Se o cristão é obrigado a “admitir a legítima multiplicidade e diversidade das opções temporais”[15], é igualmente chamado a discordar de uma concepção do pluralismo em chave de relativismo moral, nociva à própria vida democrática, que tem necessidade de bases verdadeiras e sólidas, ou seja, de princípios éticos que, por sua natureza e função de fundamento da vida social, não são “negociáveis”. 
No plano da militância política concreta, há que ter presente que o carácter contingente de algumas escolhas em matéria social, o facto de muitas vezes serem moralmente possíveis diversas estratégias para realizar ou garantir um mesmo valor substancial de fundo, a possibilidade de interpretar de maneira diferente alguns princípios basilares da teoria política, bem como a complexidade técnica de grande parte dos problemas políticos, explicam o facto de geralmente poder dar-se uma pluralidade de partidos, dentro dos quais os católicos podem escolher a sua militância para exercer – sobretudo através da representação parlamentar – o seu direito-dever na construção da vida civil do seu País[16]. Tal constatação óbvia não pode todavia confundir-se com um indistinto pluralismo na escolha dos princípios morais e dos valores substanciais, a que se faz referência. A legítima pluralidade de opções temporais mantém íntegra a matriz donde promana o empenho dos católicos na política, e esta matriz liga-se directamente à doutrina moral e social cristã. É com um tal ensinamento que os leigos católicos têm de confrontar-se constantemente para poder ter a certeza que a própria participação na vida política é pautada por uma coerente responsabilidade para com as realidades temporais. 
A Igreja é consciente que se, por um lado, a via da democracia é a que melhor exprime a participação directa dos cidadãos nas escolhas políticas, por outro, isso só é possível na medida que exista, na sua base, uma recta concepção da pessoa[17]. Sobre este princípio, o empenho dos católicos não pode descer a nenhum compromisso; caso contrário, viriam a faltar o testemunho da fé cristã no mundo e a unidade e coerência interiores dos próprios fiéis. A estrutura democrática, sobre que pretende construir-se um Estado moderno, seria um tanto frágil, se não tiver como seu fundamento a centralidade da pessoa. É, aliás, o respeito pela pessoa que torna possível a participação democrática. Como ensina o Concílio Vaticano II, a tutela “dos direitos da pessoa humana é condição necessária para que os cidadãos, individualmente ou em grupo, possam participar activamente na vida e na gestão da coisa pública”[18]
4. É a partir daqui que se estende a complexa teia de problemáticas actuais, que não tem comparação com as dos séculos passados. O avanço da ciência, com efeito, permitiu atingir metas que abalam a consciência e obrigam a encontrar soluções capazes de respeitar, de forma coerente e sólida, os princípios éticos. Assiste-se, invés, a tentativas legislativas que, sem se preocuparem com as consequências das mesmas para a existência e o futuro dos povos na formação da cultura e dos comportamentos sociais, visam quebrar a intangibilidade da vida humana. Os católicos, em tal emergência, têm o direito e o dever de intervir, apelando para o sentido mais profundo da vida e para a responsabilidade que todos têm perante a mesma. João Paulo II, na linha do perene ensinamento da Igreja, afirmou repetidas vezes que quantos se encontram directamente empenhados nas esferas da representação legislativa têm a “clara obrigação de se opor” a qualquer lei que represente um atentado à vida humana. Para eles, como para todo o católico, vale a impossibilidade de participar em campanhas de opinião em favor de semelhantes leis, não sendo a ninguém consentido apoiá-las com o próprio voto[19]. Isso não impede, como ensinou João Paulo II na Carta EncíclicaEvangelium vitae sobre a eventualidade de não ser possível evitar ou revogar totalmente uma lei abortista já em vigor ou posta em votação, que “um parlamentar, cuja pessoal oposição absoluta ao aborto seja clara e por todos conhecida, possa licitamente dar o próprio apoio a propostas tendentes a limitar os danos de uma tal lei e a diminuir os seus efeitos negativos no plano da cultura e da moralidade pública”[20]
Neste contexto, há que acrescentar que a consciência cristã bem formada não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a actuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas alternativas ou contrárias aos mesmos. Uma vez que a fé constitui como que uma unidade indivisível, não é lógico isolar um só dos seus conteúdos em prejuízo da totalidade da doutrina católica. Não basta o empenho político em favor de um aspecto isolado da doutrina social da Igreja para esgotar a responsabilidade pelo bem comum. Nem um católico pode pensar em delegar a outros o empenho que, como cristão, lhe vem do evangelho de Jesus Cristo de anunciar e realizar a verdade sobre o homem e o mundo. 
Quando a acção política se confronta com princípios morais que não admitem abdicações, excepções ou compromissos de qualquer espécie, é então que o empenho dos católicos se torna mais evidente e grávido de responsabilidade. Perante essas exigências éticas fundamentais e irrenunciáveis, os crentes têm, efectivamente, de saber que está em jogo a essência da ordem moral, que diz respeito ao bem integral da pessoa. É o caso das leis civis em matéria de aborto e de eutanásia (a não confundir com a renúncia ao excesso terapêutico, legítimo, mesmo sob o ponto de vista moral), que devem tutelar o direito primário à vida, desde o seu concebimento até ao seu termo natural. Do mesmo modo, há que afirmar o dever de respeitar e proteger os direitos do embrião humano. Analogamente, devem ser salvaguardadas a tutela e promoção da família, fundada no matrimónio monogâmico entre pessoas de sexo diferente e protegida na sua unidade e estabilidade, perante as leis modernas em matéria de divórcio: não se pode, de maneira nenhuma, pôr juridicamente no mesmo plano com a família outras formas de convivência, nem estas podem receber, como tais, um reconhecimento legal. Igualmente, a garantia da liberdade de educação, que os pais têm em relação aos próprios filhos, é um direito inalienável, aliás reconhecido nas Declarações internacionais dos direitos humanos. No mesmo plano, devem incluir-se a tutela social dos menores e a libertação das vítimas das modernas formas de escravidão (pense-se, por exemplo, na droga e na exploração da prostituição). Não podem ficar fora deste elenco o direito à liberdade religiosa e o progresso para uma economia que esteja ao serviço da pessoa e do bem comum, no respeito da justiça social, do princípio da solidariedade humana e do de subsidariedade, segundo o qual “os direitos das pessoas, das famílias e dos grupos, e o seu exercício têm de ser reconhecidos”[21]. Como não incluir, enfim, nesta exemplificação, o grande tema da paz? Uma visão irénica e ideológica tende, por vezes, a secularizar o valor da paz; noutros casos, cede-se a um juízo ético sumário, esquecendo a complexidade das razões em questão. A paz é sempre “fruto da justiça e efeito da caridade”[22]; exige a recusa radical e absoluta da violência e do terrorismo e requer um empenho constante e vigilante da parte de quem está investido da responsabilidade política. 

III. Princípios da doutrina católica sobre laicidade e pluralismo
5. Se, perante tais problemáticas, é lícito pensar em utilizar uma pluralidade de metodologias que reflectem sensibilidades e culturas diferentes, já não é consentido a nenhum fiel apelar para o princípio do pluralismo e da autonomia dos leigos em política, para favorecer soluções que comprometam ou atenuem a salvaguarda das exigências éticas fundamentais ao bem comum da sociedade. Por si, não se trata de “valores confessionais”, uma vez que tais exigências éticas radicam-se no ser humano e pertencem à lei moral natural. Não exigem, da parte de quem as defende, a profissão de fé cristã, embora a doutrina da Igreja as confirme e tutele, sempre e em toda a parte, como um serviço desinteressado à verdade sobre o homem e ao bem comum das sociedades civis. Não se pode, por outro lado, negar que a política deve também regular-se por princípios que têm um valor absoluto próprio, precisamente por estarem ao serviço da dignidade da pessoa e do verdadeiro progresso humano.
6. O apelo que muitas vezes se faz à “laicidade” que deveria guiar à acção dos católicos, exige uma clarificação, não apenas de terminologia. A promoção segundo consciência do bem comum da sociedade política nada tem a ver com o “confessionalismo” ou a intolerância religiosa. Para a doutrina moral católica, a laicidade entendida como autonomia da esfera civil e política da religiosa e eclesiástica – mas não da moral – é um valor adquirido e reconhecido pela Igreja, e faz parte do património de civilização já conseguido[23]. João Paulo II repetidas vezes alertou para os perigos que derivam de qualquer confusão entre esfera religiosa e esfera política. “São extremamente delicadas as situações, em que uma norma especificamente religiosa se torna, ou tende a tornar-se, lei do Estado, sem que se tenha na devida conta a distinção entre as competências da religião e as da sociedade política. Identificar a lei religiosa com a civil pode efectivamente sufocar a liberdade religiosa e até limitar ou negar outros direitos humanos inalienáveis”[24]. Todos os fiéis têm plena consciência de que os actos especificamente religiosos (profissão da fé, prática dos actos de culto e dos sacramentos, doutrinas teológicas, comunicação recíproca entre as autoridades religiosas e os fiéis, etc.) permanecem fora das competências do Estado, que nem deve intrometer-se neles nem, de forma alguma, exigi-los ou impedi-los, a menos de fundadas exigências de ordem pública. O reconhecimento dos direitos civis e políticos e a realização de serviços públicos não podem estar condicionados a convicções ou prestações de natureza religiosa da parte dos cidadãos.
Completamente diferente é a questão do direito-dever dos cidadãos católicos, aliás como de todos os demais cidadãos, de procurar sinceramente a verdade e promover e defender com meios lícitos as verdades morais relativas à vida social, à justiça, à liberdade, ao respeito da vida e dos outros direitos da pessoa. O facto de algumas destas verdades serem também ensinadas pela Igreja não diminui a legitimidade civil e a “laicidade” do empenho dos que com elas se identificam, independentemente do papel que a busca racional e a confirmação ditada pela fé tenham tido no seu reconhecimento por parte de cada cidadão. A “laicidade”, de facto, significa, em primeiro lugar, a atitude de quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que se tem do homem que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é uma só. Seria um erro confundir a justa autonomia, que os católicos devem assumir em política, com a reivindicação de um princípio que prescinde do ensinamento moral e social da Igreja.
Intervindo nesta matéria, o Magistério da Igreja não pretende exercer um poder político nem eliminar a liberdade de opinião dos católicos em questões contingentes. Entende, invés – como é sua função própria – instruir e iluminar a consciência dos fiéis, sobretudo dos que se dedicam a uma participação na vida política, para que o seu operar esteja sempre ao serviço da promoção integral da pessoa e do bem comum. O ensinamento social da Igreja não é uma intromissão no governo de cada País. Não há dúvida, porém, que põe um dever moral de coerência aos fiéis leigos, no interior da sua consciência, que é única e unitária. “Não pode haver, na sua vida, dois caminhos paralelos: de um lado, a chamada vida ‘espiritual’, com os seus valores e exigências, e, do outro, a chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida de família, de trabalho, das relações sociais, do empenho político e da cultura. O ramo, enxertado na videira, que é Cristo, leva a sua linfa a todo o sector da actividade e da existência. Pois todos os variados campos da vida laical fazem parte do plano de Deus, que quer que eles sejam como que o ‘lugar histórico’ onde se revela e se realiza o amor de Jesus Cristo para glória do Pai e serviço aos irmãos. Qualquer actividade, qualquer situação, qualquer empenho concreto – quais, por exemplo, a competência e a solidariedade no trabalho, o amor e a dedicação à família e à educação dos filhos, o serviço social e político, a proposta da verdade no ­âmbito da cultura – são ocasiões providenciais para um ‘constante exercício da fé, da esperança e da caridade’”[25]. Viver e agir politicamente em conformidade com a própria consciência não significa acomodar-se passivamente em posições estranhas ao empenho político ou numa espécie de confessionalismo; é, invés, a expressão com que os cristãos dão o seu coerente contributo para que, através da política, se instaure um ordenamento social mais justo e coerente com a dignidade da pessoa humana.
Nas sociedades democráticas todas as propostas são discutidas e avaliadas livremente. Aquele que, em nome do respeito da consciência individual, visse no dever moral dos cristãos de ser coerentes com a própria consciência um sinal para desqualificá-los politicamente, negando a sua legitimidade de agir em política de acordo com as próprias convicções relativas ao bem comum, cairia numa espécie de intolerante laicismo. Com tal perspectiva pretende-se negar, não só qualquer relevância política e cultural da fé cristã, mas até a própria possibilidade de uma ética natural. Se assim fosse, abrir-se-ia caminho a uma anarquia moral, que nada e nunca teria a ver com qualquer forma de legítimo pluralismo. A prepotência do mais forte sobre o fraco seria a consequência lógica de uma tal impostação. Aliás, a marginalização do Cristianismo não poderia ajudar ao projecto de uma sociedade futura e à concórdia entre os povos; seria, pelo contrário, uma ameaça para os próprios fundamentos espirituais e culturais da civilização[26].  

IV. Considerações sobre aspectos particulares
7. Aconteceu, em circunstâncias recentes, que também dentro de algumas associações ou organizações de inspiração católica, surgiram orientações em defesa de forças e movimentos políticos que, em questões éticas fundamentais, exprimiram posições contrárias ao ensinamento moral e social da Igreja. Tais escolhas e alinhamentos, estando em contradição com princípios basilares da consciência cristã, não são compatíveis com a pertença a associações ou organizações que se definem católicas. Verificou-se igualmente, que certas revistas e jornais católicos em determinados países, por ocasião de opções políticas, orientaram os eleitores de modo ambíguo e incoerente, criando equívocos sobre o sentido da autonomia dos católicos em política, e não tendo em conta os princípios acima referidos. 
A fé em Jesus Cristo, que Se definiu a Si mesmo “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6), exige dos cristãos o esforço de se empenharem mais decididamente na construção de uma cultura que, inspirada no Evangelho, reproponha o património de valores e conteúdos da Tradição católica. A necessidade de apresentar em termos culturais modernos o fruto da herança espiritual, intelectual e moral do catolicismo torna-se extremamente urgente e inadiável, até para se evitar o risco de uma diáspora cultural dos católicos. Por outro lado, a espessura cultural alcançada e a madura experiência de empenho político que os católicos, em diversos países, souberam exprimir, sobretudo nas décadas a seguir à segunda guerra mundial, não permite pô-los em nenhum complexo de inferioridade relativamente a outras propostas que a história recente mostrou serem fracas ou radicalmente falimentares. É insuficiente e redutivo pensar que o empenho social dos católicos possa limitar-se a uma simples transformação das estruturas, porque, não existindo na sua base uma cultura capaz de acolher, justificar e projectar as instâncias que derivam da fé e da moral, as transformações apoiar-se-iam sempre em alicerces frágeis.
A fé nunca pretendeu manietar num esquema rígido os conteúdos socio-políticos, bem sabendo que a dimensão histórica, em que o homem vive, impõe que se admita a existência de situações não perfeitas e, em muitos casos, em rápida mudança. Neste âmbito, há que recusar as posições políticas e os comportamentos que se inspiram numa visão utópica que, ao transformar a tradição da fé bíblica numa espécie de profetismo sem Deus, instrumentaliza a mensagem religiosa, orientando a consciência para uma esperança unicamente terrena que anula ou redimensiona a tensão cristã para a vida eterna.
Ao mesmo tempo, a Igreja ensina que não existe autêntica liberdade sem a verdade. “Verdade e liberdade ou se conjugam juntas ou miseramente juntas desaparecem”, escreveu João Paulo II[27]. Numa sociedade, onde a verdade não for prospectada e não se procurar alcançá-la, resultará também enfraquecida toda a forma de exercício autêntico de liberdade, abrindo-se o caminho a um libertinismo e individualismo, prejudiciais à tutela do bem da pessoa e da inteira sociedade.
8. A tal propósito, convém recordar uma verdade que hoje nem sempre é bem entendida ou formulada com exactidão na opinião pública corrente; a de que o direito à liberdade de consciência e, de modo especial, à liberdade religiosa, proclamado pela DeclaraçãoDignitatis humanae do Concílio Vaticano II, está fundado sobre a dignidade ontológica da pessoa humana e, de maneira nenhuma, sobre uma inexistente igualdade entre as religiões e os sistemas culturais humanos[28]. Nesta linha, o Papa Paulo VI afirmou que “o Concílio, de modo nenhum, funda um tal direito à liberdade religiosa sobre o facto de que todas as religiões e todas as doutrinas, mesmo erróneas, tenham um valor mais ou menos igual; funda-o, invés, sobre a dignidade da pessoa humana, que exige que não se a submeta a constrições exteriores, tendentes a coarctar a consciência na procura da verdadeira religião e na adesão à mesma”[29]. A afirmação da liberdade de consciência e da liberdade religiosa não está, portanto, de modo nenhum em contradição com a condenação que a doutrina católica faz do indiferentismo e do relativismo religioso[30]; pelo contrário, é plenamente coerente com ela. 

V. Conclusão 
9. As orientações contidas na presente Nota entendem iluminar um dos mais importantes aspectos da unidade de vida do cristão: a coerência entre a fé e a vida, entre o evangelho e a cultura, recomendada pelo Concílio Vaticano II. Este exorta os fiéis “a cumprirem fielmente os seus deveres temporais, deixando-se conduzir pelo espírito do evangelho. Afastam-se da verdade aqueles que, pretextando que não temos aqui cidade permanente, pois demandamos a futura, crêem poder, por isso mesmo, descurar as suas tarefas temporais, sem se darem conta de que a própria fé, de acordo com a vocação de cada um, os obriga a um mais perfeito cumprimento delas”. Queiram os fiéis “poder exercer as suas actividades terrenas, unindo numa síntese vital todos os esforços humanos, familiares, profissionais, científicos e técnicos, com os valores religiosos, sob cuja altíssima jerarquia tudo coopera para a glória de Deus”[31].

O Sumo Pontífice João Paulo II na Audiência de 21 de Novembro de 2002 aprovou a presente Nota, decidida na Sessão Ordinária desta Congregação, e mandou que fosse publicada. 
Roma, sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 24 de Novembro de 2002, Solenidade de N. S. Jesus Cristo Rei do Universo. 

X Joseph Card. Ratzinger
Prefeito
X Tarcísio Bertone, SDB
Arcebispo emérito de Vercelli
Secretário

[1] Carta a Diogneto, 5.5. Cfr. também Catecismo da Igreja Católica, n. 2240.
[2] João Paulo II, Carta Apost. Motu Proprio dada para a proclamação de São Tomás Moro, Padroeiro dos Governantes e dos Políticos, n. 1, AAS 93 (2001) 76-80.
[3] Ibid., n. 4.
[4] Cfr.Concílio Vaticano II, Const. Past. Guadium et spes, n. 31; Catecismo da Igreja Católica, n. 1915.
[5] Concílio Vaticano II, Const. Past. Guadium et spes, n. 75.
[6] João Paulo II, Exort. Apost. Christifideles laici, n. 42, AAA 81 (1989) 393-521. A presente Nota doutrinal refere-se obviamente ao empenho político dos fiéis leigos. Os Pastores têm o direito e o dever de propor os princípios morais também sobre a ordem social; “todavia, a participação activa nos partidos políticos é reservada aos leigos” (João Paulo II, Exort. Apost. Christifideles laici, n. 60). Cfr. também Congregação para o Clero, Directório para o ministério e a vida dos presbíteros, 31 de Março de 1994, n. 33. 
[7] Concílio Vaticano II, Const. Past. Guadium et spes, n. 76.
[8] Cfr. Ibid., n. 36.
[9] Cfr. Concílio Vaticano II, Decr. Apostolicam actuositatem, n. 7; Const. Dogm. Lumen gentium, n. 36 e Const. Past. Guadium et spes, nn. 31 e 43.
[10] João Paulo II, Exort. Apost. Christifideles laici, n. 42. 
[11] Nos últimos dois séculos, o Magistério pontifício várias vezes se ocupou das principais questões relativas à ordem social e política. Cfr. Leão XIII, Carta Enc. Diuturnum illud, ASS 14 (1881/82) 4ss; Carta Enc.Immortale Dei, ASS 18 (1885/86) 162ss; Carta Enc. Libertas praestantissimum, ASS 20 (1887/88) 593ss; Carta Enc. Rerum novarum, ASS 23 (1890/91) 643ss; Bento XV, Carta Enc. Pacem Dei munus pulcherrimum, AAS 12 (1920) 209ss; Pio XI, Carta Enc. Quadragesimo anno, AAS 23 (1931) 190ss. Carta Enc. Mit brennender Sorge, AAS 29 (1937) 145-167; Carta Enc. Divini Redemptoris, AAS 29 (1937) 78ss; Pio XII, Carta Enc. Summi Pontificatus, AAS 31 (1939) 423ss; Rádio-mensagens natalícias 1941-1944; João XXIII, Carta Enc. Mater et magistra, AAS 53 (1961) 401-464; Carta Enc. Pacem in terris, AAS 55 (1963) 257-304; Paulo VI, Carta Enc.Populorum progressio, AAS 59 (1967) 257-299; Carta Apost. Octogesima adveniens, AAS 63 (1971) 401-441.
[12] Cfr. João Paulo II, Carta Enc. Centesimus annus, n. 46, AAS 83 (1991) 793-867; Carta Enc. Veritatis splendor, n. 101, AAS 85 (1993) 1133-1228; Discurso ao Parlamento Italiano em sessão pública comum, n. 5, in: L’Osservatore Romano, 15 de Novembro de 2002.
[13] Cfr. João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae, n. 22, AAS 87 (1995) 401-522.
[14] Cfr. Concílio Vaticano II, Const. Past. Guadium et spes, n. 76.
[15] Ibid., n. 75.
[16] Cfr. Ibid., nn. 43 e 75.
[17] Cfr. Ibid., n. 25.
[18] Ibid., n. 73.
[19] João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae, n. 73.
[20] Ibid.
[21] Concílio Vaticano II, Const. Past. Guadium et spes, n. 75.
[22] Catecismo da Igreja Católica, n. 2304.
[23] Concílio Vaticano II, Const. Past. Guadium et spes, n. 76.
[24] João Paulo II, Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz de 1991: “Se queres a paz, respeita a consciência de cada homem”, IV, AAS 83 (1991) 410-421.
[25] João Paulo II, Exort. Apost. Christifideles laici, n. 59. A citação interna é do Concílio Vaticano II, Decr.Apostolicam actuositatem, n. 4.
[26] João Paulo II, Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, in: L’Osservatore Romano, 11 de Janeiro de 2002.
[27] João Paulo II, Carta Enc. Fides et ratio, n. 90, AAS 91 (1999) 5-88.
[28] Cfr.Concílio Vaticano II, Decl. Dignitatis humanae, n. 1: “O Sagrado Concílio professa, em primeiro lugar, que o próprio Deus manifestou ao género humano o caminho por que os homens, servindo-O, podem ser salvos e tornar-se felizes em Cristo. Acreditamos que esta única verdadeira religião se verifica na Igreja Católica”. Isto não impede que a Igreja nutra um sincero respeito pelas várias tradições religiosas; pelo contrário, considera que nelas estão presentes “elementos de verdade e bondade”. Cfr. Concílio Vaticano II, Const. Dogm. Lumen gentium, n. 16; Decr. Ad gentes, n. 11; Decl. Nostra aetate, n. 2; João Paulo II, Carta Enc. Redemptoris missio, n. 55, AAS 83 (1991) 249-340; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Dominus Iesus, nn. 2. 8. 21, AAS 92 (2000) 742-765.
[29] Paulo VI, Discurso ao Sacro Colégio e aos Prelados Romanos, in: Insegnamenti di Paolo VI, 14 (1976) 1088-1089.
[30] Cfr. Pio IX, Carta Enc. Quanta cura, ASS 3 (1867) 162; Leão XIII, Carta Enc. Immortale Dei, ASS 18 (1885) 170-171; Pio XI, Carta Enc. Quas primas, AAS 17 (1925) 604-605; Catecismo da Igreja Católica, n. 2108; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Dominus Iesus, n. 22.
[31] Concílio Vaticano II, Const. Past. Gaudium et spes, n. 43; Cfr. também João Paulo II, Exort. Apost.Christifideles laici, n. 59.



Ser missionário não é um privilégio de determinadas pessoas, mas a essência de ser cristão: “Anunciar o evangelho é um necessidade que se me impõe”. (I Coríntios 9:16). É um compromisso de toda a comunidade que vive e transmite a sua fé. “Nenhuma comunidade cristã é fiel à sua vocação se não é missionária”.
Ser missionário não é só percorrer grandes distâncias, ir para outros continentes, mas é a difícil viagem de sair de si, ir ao encontro do outro, ir ao encontro do “diferente”, ir ao encontro do marginalizado – o preferido de Jesus.
Exige de mim, de ti, de todos nós, uma abertura constante, pessoal e comunitária para responder aos desafios de hoje. É a missão de fidelidade ao “envio” de Jesus: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (João 20:21).
Como consequência deste assumir o compromisso missionário, nasce um novo estilo de missões: não levar, mas descobrir. Não só dar, mas receber. Não conquistar, mas partilhar e procurar juntos. Não ser mestre, mas aprendiz da verdade. A missão permite-nos criar novos laços, novas relações, uma nova forma de olhar a vida, uma nova forma de ser Igreja.
E aí vai o desafio: como eu posso ser missionário em minha casa, no trabalho e na comunidade em que vivo? Assumo o compromisso de cristão, vivendo e transmitindo a boa-nova da paz, da justiça, do amor, do perdão, da fraternidade, do acolhimento?

(adaptado do Boletim nº 35/2003 da I. P. Vila Pinheiro, Jacareí-SP)

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2016


http://press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2016/01/14/0023/00041.html#port

Jubileu dos Adolescentes, a celebrar nos dias 23 e 24 de abril e dirigido à faixa etária dos 13 aos 16 anos de idade

Crescer misericordiosos como o Pai
Queridos adolescentes!
A Igreja está a viver o Ano Santo da Misericórdia, um tempo de graça, paz, conversão e alegria que abrange a todos: pequenos e grandes, próximos e afastados. Não há fronteiras nem distâncias que possam impedir à misericórdia do Pai de nos alcançar, tornando-se presente no meio de nós. A Porta Santa já está aberta em Roma e em todas as dioceses do mundo.
Este tempo precioso abrange também a vós, queridos adolescentes, pelo que me dirijo a vós para vos convidar a participar nele, a tornar-vos seus protagonistas descobrindo-vos filhos de Deus (cf. 1 Jo 3, 1). Gostaria de vos convidar um por um, gostaria de vos chamar pelo nome, como faz Jesus cada dia, porque – como bem sabeis – os vossos nomes estão escritos no Céu (Lc 10, 20), esculpidos no coração do Pai, que é o Coração Misericordioso donde nasce toda a reconciliação e toda a doçura.
O Jubileu é um ano inteiro no qual se diz santo cada momento, para que toda a nossa existência se torne santa. É uma ocasião para descobrirmos que viver como irmãos é uma grande festa, a mais bela que se pode sonhar, a festa sem fim que Jesus nos ensinou a cantar através do seu Espírito. Para a festa do Jubileu, Jesus convida mesmo a todos, sem fazer distinções nem excluir ninguém. Por isso, desejei viver também convosco alguns dias de oração e de festa. Assim espero-vos, em grande número, no próximo mês de Abril.
«Crescer misericordiosos como o Pai» é não só o título do vosso Jubileu, mas também a oração que fazemos por todos vós, recebendo-vos em nome de Jesus. Crescer misericordiosos significa aprender a ser corajosos no amor prático e desinteressado, significa tornar-se grande tanto no aspecto físico, como no íntimo de cada um. Estais a preparar-vos para vos tornardes cristãos capazes de escolhas e gestos corajosos, capazes de construir cada dia, mesmo nas pequenas coisas, um mundo de paz.
A vossa idade é um período de mudanças incríveis, em que tudo parece, ao mesmo tempo, possível e impossível. Com grande incitamento, vos repito: «Permanecei firmes no caminho da fé, com segura esperança no Senhor. Aqui está o segredo do nosso caminho! Ele dá-nos a coragem de ir contra a corrente. Podeis crer: isto fortalece o coração, já que ir contra a corrente requer coragem e Ele dá-nos esta coragem! Com Ele, podemos fazer coisas grandes; Ele nos fará sentir a alegria de sermos seus discípulos, suas testemunhas. Apostai nos grandes ideais, nas coisas grandes. Nós, cristãos, não somos escolhidos pelo Senhor para coisas pequenas; ide sempre mais além, rumo às coisas grandes. Jogai a vida por grandes ideais!» (Homilia no Dia dos Crismandos no Ano da Fé, 28 de Abril de 2013).
Não posso esquecer aqueles de vós, adolescentes, que viveis em contextos de guerra, pobreza extrema, transtorno diário, abandono. Não percais a esperança! O Senhor tem um grande sonho a realizar juntamente convosco. Os amigos da vossa idade, que vivem em condições menos dramáticas do que as vossas, lembram-se de vós e comprometem-se por que a paz e a justiça possam pertencer a todos. Não acrediteis nas palavras de ódio e terror que se repetem com frequência; pelo contrário, construí novas amizades. Oferecei o vosso tempo, preocupai-vos sempre por quem vos pede ajuda. Sede corajosos, contra a corrente; sede amigos de Jesus, que é o Príncipe da paz (cf. Is 9, 6): «tudo n’Ele fala de misericórdia. N’Ele, nada há que seja desprovido de compaixão» (Misericordiae Vultus, 8).
Sei que nem todos vós podereis vir a Roma, mas o Jubileu é verdadeiramente para todos e será celebrado também nas vossas Igrejas locais. Estais todos convidados para este momento de alegria! Não prepareis apenas as mochilas e os dísticos; preparai sobretudo o vosso coração e a vossa mente. Meditai bem nos desejos que confiareis a Jesus no sacramento da Reconciliação e na Eucaristia, que celebraremos juntos. Quando passardes pela Porta Santa, lembrai-vos de que vos comprometeis a tornar santa a vossa vida, a alimentar-vos do Evangelho e da Eucaristia, que são a Palavra e o Pão da vida, para poderdes construir um mundo mais justo e fraterno.
Que o Senhor abençoe cada um dos vossos passos para a Porta Santa. Sobre vós imploro o Espírito Santo, para que vos guie e ilumine. Que a Virgem Maria, que é Mãe de todos, seja para vós, para as vossas famílias e para todos aqueles que vos ajudam a crescer em bondade e graça, uma verdadeira Porta da Misericórdia.
Vaticano, na solenidade da Epifania do Senhor, 6 de Janeiro de 2016.
FRANCISCUS

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016


http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/vaticano/vaticano-papa-batizou-26-criancas-na-capela-sistina/

domingo, 3 de janeiro de 2016

SOLENIDADE DA EPIFANIA
Mt 2,1-12
Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia, nos dias do rei Herodes, quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente. «Onde está – perguntaram eles – o rei dos judeus que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-l’O». Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado e, com ele, toda a cidade de Jerusalém. Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam: «Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo profeta: ‘Tu, Belém, terra de Jusá, não és de modo nenhum a menor entre as principais cidades de Judá, pois de ti sairá um chefe, que será o Pastor de Israel, meu povo’». Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos e pediu-lhes informações precisas sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela. Depois enviou-os a Belém e disse-lhes: «Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino; e, quando O encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-l’O». Ouvido o rei, puseram-se a caminho. E eis que a estrela que tinham visto no Oriente seguia à sua frente e parou sobre o lugar onde estava o Menino. Ao ver a estrela, sentiram grande alegria. Entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe, e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O. Depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra. E, avisados em sonhos para não voltarem à presença de Herodes, regressaram à sua terra por outro caminho.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus - Ano da Misericórdia

 



MENSAGEM DO SANTO PADRE
FRANCISCO
PARA A CELEBRAÇÃO DO 
XLIX DIA MUNDIAL DA PAZ
1º DE JANEIRO DE 2016
VENCE A INDIFERENÇA E CONQUISTA A PAZ

1. Deus não é indiferente; importa-Lhe a humanidade! Deus não a abandona! Com esta minha profunda convicção, quero, no início do novo ano, formular votos de paz e bênçãos abundantes, sob o signo da esperança, para o futuro de cada homem e mulher, de cada família, povo e nação do mundo, e também dos chefes de Estado e de governo e dos responsáveis das religiões. Com efeito, não perdemos a esperança de que o ano de 2016 nos veja a todos firme e confiadamente empenhados, nos diferentes níveis, a realizar a justiça e a trabalhar pela paz. Na verdade, esta é dom de Deus e trabalho dos homens; a paz é dom de Deus, mas confiado a todos os homens e a todas as mulheres, que são chamados a realizá-lo.
Conservar as razões da esperança
2. Embora o ano passado tenha sido caracterizado, do princípio ao fim, por guerras e actos terroristas, com as suas trágicas consequências de sequestros de pessoas, perseguições por motivos étnicos ou religiosos, prevaricações, multiplicando-se cruelmente em muitas regiões do mundo, a ponto de assumir os contornos daquela que se poderia chamar uma «terceira guerra mundial por pedaços», todavia alguns acontecimentos dos últimos anos e também do ano passado incitam-me, com o novo ano em vista, a renovar a exortação a não perder a esperança na capacidade que o homem tem, com a graça de Deus, de superar o mal, não se rendendo à resignação nem à indiferença. Tais acontecimentos representam a capacidade de a humanidade agir solidariamente, perante as situações críticas, superando os interesses individualistas, a apatia e a indiferença.
Dentre tais acontecimentos, quero recordar o esforço feito para favorecer o encontro dos líderes mundiais, no âmbito da Cop21, a fim de se procurar novos caminhos para enfrentar as alterações climáticas e salvaguardar o bem-estar da terra, a nossa casa comum. E isto remete para mais dois acontecimentos anteriores de nível mundial: a Cimeira de Adis-Abeba para arrecadação de fundos destinados ao desenvolvimento sustentável do mundo; e a adopção, por parte das Nações Unidas, da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que visa assegurar, até ao referido ano, uma existência mais digna para todos, sobretudo para as populações pobres da terra.
O ano de 2015 foi um ano especial para a Igreja, nomeadamente porque registou o cinquentenário da publicação de dois documentos do Concílio Vaticano II que exprimem, de forma muito eloquente, o sentido de solidariedade da Igreja com o mundo. O Papa João XXIII, no início do Concílio, quis escancarar as janelas da Igreja, para que houvesse, entre ela e o mundo, uma comunicação mais aberta. Os dois documentos – Nostra aetate e Gaudium et spes – são expressões emblemáticas da nova relação de diálogo, solidariedade e convivência que a Igreja pretendia introduzir no interior da humanidade. Na Declaração Nostra aetate, a Igreja foi chamada a abrir-se ao diálogo com as expressões religiosas não-cristãs. Na Constituição pastoral Gaudium et spes – dado que «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo»[1] –, a Igreja desejava estabelecer um diálogo com a família humana sobre os problemas do mundo, como sinal de solidariedade, respeito e amor.[2]
Nesta mesma perspectiva, com o Jubileu da Misericórdia, quero convidar a Igreja a rezar e trabalhar para que cada cristão possa maturar um coração humilde e compassivo, capaz de anunciar e testemunhar a misericórdia, de «perdoar e dar», de abrir-se «àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática», sem cair «na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói».[3]
Variadas são as razões para crer na capacidade que a humanidade tem de agir, conjunta e solidariamente, reconhecendo a própria interligação e interdependência e tendo a peito os membros mais frágeis e a salvaguarda do bem comum. Esta atitude de solidária corresponsabilidade está na raiz da vocação fundamental à fraternidade e à vida comum. A dignidade e as relações interpessoais constituem-nos como seres humanos, queridos por Deus à sua imagem e semelhança. Como criaturas dotadas de inalienável dignidade, existimos relacionando-nos com os nossos irmãos e irmãs, pelos quais somos responsáveis e com os quais agimos solidariamente. Fora desta relação, passaríamos a ser menos humanos. É por isso mesmo que a indiferença constitui uma ameaça para a família humana. No limiar dum novo ano, quero convidar a todos para que reconheçam este facto a fim de se vencer a indiferença e conquistar a paz.
Algumas formas de indiferença
3. Não há dúvida de que o comportamento do indivíduo indiferente, de quem fecha o coração desinteressando-se dos outros, de quem fecha os olhos para não ver o que sucede ao seu redor ou se esquiva para não ser abalroado pelos problemas alheios, caracteriza uma tipologia humana bastante difundida e presente em cada época da história; mas, hoje em dia, superou decididamente o âmbito individual para assumir uma dimensão global, gerando o fenómeno da «globalização da indiferença».
A primeira forma de indiferença na sociedade humana é a indiferença para com Deus, da qual deriva também a indiferença para com o próximo e a criação. Trata-se de um dos graves efeitos dum falso humanismo e do materialismo prático, combinados com um pensamento relativista e niilista. O homem pensa que é o autor de si mesmo, da sua vida e da sociedade; sente-se auto-suficiente e visa não só ocupar o lugar de Deus, mas prescindir completamente d’Ele; consequentemente, pensa que não deve nada a ninguém, excepto a si mesmo, e pretende ter apenas direitos.[4] Contra esta errónea compreensão que a pessoa tem de si mesma, Bento XVI recordava que nem o homem nem o seu desenvolvimento são capazes, por si mesmos, de se atribuir o próprio significado último;[5] e, antes dele, Paulo VI afirmara que «não há verdadeiro humanismo senão o aberto ao Absoluto, reconhecendo uma vocação que exprime a ideia exacta do que é a vida humana».[6]
A indiferença para com o próximo assume diferentes fisionomias. Há quem esteja bem informado, ouça o rádio, leia os jornais ou veja programas de televisão, mas fá-lo de maneira entorpecida, quase numa condição de rendição: estas pessoas conhecem vagamente os dramas que afligem a humanidade, mas não se sentem envolvidas, não vivem a compaixão. Este é o comportamento de quem sabe, mas mantém o olhar, o pensamento e a acção voltados para si mesmo. Infelizmente, temos de constatar que o aumento das informações, próprio do nosso tempo, não significa, de por si, aumento de atenção aos problemas, se não for acompanhado por uma abertura das consciências em sentido solidário.[7] Antes, pode gerar uma certa saturação que anestesia e, em certa medida, relativiza a gravidade dos problemas. «Alguns comprazem-se simplesmente em culpar, dos próprios males, os pobres e os países pobres, com generalizações indevidas, e pretendem encontrar a solução numa “educação” que os tranquilize e transforme em seres domesticados e inofensivos. Isto torna-se ainda mais irritante, quando os excluídos vêem crescer este câncer social que é a corrupção profundamente radicada em muitos países – nos seus governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia política dos governantes».[8]
Noutros casos, a indiferença manifesta-se como falta de atenção à realidade circundante, especialmente a mais distante. Algumas pessoas preferem não indagar, não se informar e vivem o seu bem-estar e o seu conforto, surdas ao grito de angústia da humanidade sofredora. Quase sem nos dar conta, tornámo-nos incapazes de sentir compaixão pelos outros, pelos seus dramas; não nos interessa ocupar-nos deles, como se aquilo que lhes sucede fosse responsabilidade alheia, que não nos compete.[9]«Quando estamos bem e comodamente instalados, esquecemo-nos certamente dos outros (isto, Deus Pai nunca o faz!), não nos interessam os seus problemas, nem as tribulações e injustiças que sofrem; e, assim, o nosso coração cai na indiferença: encontrando-me relativamente bem e confortável, esqueço-me dos que não estão bem».[10]
Vivendo nós numa casa comum, não podemos deixar de nos interrogar sobre o seu estado de saúde, como procurei fazer na Carta encíclica Laudato si’. A poluição das águas e do ar, a exploração indiscriminada das florestas, a destruição do meio ambiente são, muitas vezes, resultado da indiferença do homem pelos outros, porque tudo está relacionado. E de igual modo o comportamento do homem com os animais influi sobre as suas relações com os outros,[11] para não falar de quem se permite fazer noutros lugares aquilo que não ousa fazer em sua casa.[12]
Nestes e noutros casos, a indiferença provoca sobretudo fechamento e desinteresse, acabando assim por contribuir para a falta de paz com Deus, com o próximo e com a criação.
A paz ameaçada pela indiferença globalizada
4. A indiferença para com Deus supera a esfera íntima e espiritual da pessoa individual e investe a esfera pública e social. Como afirmava Bento XVI, «há uma ligação íntima entre a glorificação de Deus e a paz dos homens na terra».[13] Com efeito, «sem uma abertura ao transcendente, o homem cai como presa fácil do relativismo e, consequentemente, torna-se-lhe difícil agir de acordo com a justiça e comprometer-se pela paz».[14] O esquecimento e a negação de Deus, que induzem o homem a não reconhecer qualquer norma acima de si próprio e a tomar como norma apenas a si mesmo, produziram crueldade e violência sem medida.[15]
A nível individual e comunitário, a indiferença para com o próximo – filha da indiferença para com Deus – assume as feições da inércia e da apatia, que alimentam a persistência de situações de injustiça e grave desequilíbrio social, as quais podem, por sua vez, levar a conflitos ou de qualquer modo gerar um clima de descontentamento que ameaça desembocar, mais cedo ou mais tarde, em violências e insegurança.
Neste sentido, a indiferença e consequente desinteresse constituem uma grave falta ao dever que cada pessoa tem de contribuir – na medida das suas capacidades e da função que desempenha na sociedade – para o bem comum, especialmente para a paz, que é um dos bens mais preciosos da humanidade.[16]
Depois, quando investe o nível institucional, a indiferença pelo outro, pela sua dignidade, pelos seus direitos fundamentais e pela sua liberdade, de braço dado com uma cultura orientada para o lucro e o hedonismo, favorece e às vezes justifica acções e políticas que acabam por constituir ameaças à paz. Este comportamento de indiferença pode chegar inclusivamente a justificar algumas políticas económicas deploráveis, precursoras de injustiças, divisões e violências, que visam a consecução do bem-estar próprio ou o da nação. Com efeito, não é raro que os projectos económicos e políticos dos homens tenham por finalidade a conquista ou a manutenção do poder e das riquezas, mesmo à custa de espezinhar os direitos e as exigências fundamentais dos outros. Quando as populações vêem negados os seus direitos elementares, como o alimento, a água, os cuidados de saúde ou o trabalho, sentem-se tentadas a obtê-los pela força.[17]
Por fim, a indiferença pelo ambiente natural, favorecendo o desflorestamento, a poluição e as catástrofes naturais que desenraízam comunidades inteiras do seu ambiente de vida, constrangendo-as à precariedade e à insegurança, cria novas pobrezas, novas situações de injustiça com consequências muitas vezes desastrosas em termos de segurança e paz social. Quantas guerras foram movidas e quantas ainda serão travadas por causa da falta de recursos ou para responder à demanda insaciável de recursos naturais?[18]
Da indiferença à misericórdia: a conversão do coração
5. Quando, há um ano – na Mensagem para o Dia Mundial da Paz intitulada «já não escravos, mas irmãos» –, evoquei o primeiro ícone bíblico da fraternidade humana, o ícone de Caim e Abel (cf. Gn 4, 1-16), fi-lo para evidenciar o modo como foi traída esta primeira fraternidade. Caim e Abel são irmãos. Provêm ambos do mesmo ventre, são iguais em dignidade e criados à imagem e semelhança de Deus; mas a sua fraternidade de criaturas quebra-se. «Caim não só não suporta o seu irmão Abel, mas mata-o por inveja».[19] E assim o fratricídio torna-se a forma de traição, sendo a rejeição, por parte de Caim, da fraternidade de Abel a primeira ruptura nas relações familiares de fraternidade, solidariedade e respeito mútuo.
Então Deus intervém para chamar o homem à responsabilidade para com o seu semelhante, precisamente como fizera quando Adão e Eva, os primeiros pais, quebraram a comunhão com o Criador. «O Senhor disse a Caim: “Onde está o teu irmão Abel?” Caim respondeu: “Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?” O Senhor replicou: “Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra até Mim”» (Gn 4, 9-10).
Caim diz que não sabe o que aconteceu ao seu irmão, diz que não é o seu guardião. Não se sente responsável pela sua vida, pelo seu destino. Não se sente envolvido. É-lhe indiferente o seu irmão, apesar de ambos estarem ligados pela origem comum. Que tristeza! Que drama fraterno, familiar, humano! Esta é a primeira manifestação da indiferença entre irmãos. Deus, ao contrário, não é indiferente: o sangue de Abel tem grande valor aos seus olhos e pede contas dele a Caim. Assim, Deus revela-Se, desde o início da humanidade, como Aquele que se interessa pelo destino do homem. Quando, mais tarde, os filhos de Israel se encontram na escravidão do Egipto, Deus intervém de novo. Diz a Moisés: «Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egipto, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspectores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de o libertar da mão dos egípcios e de o fazer subir desta terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel» (Ex 3, 7-8). É importante notar os verbos que descrevem a intervenção de Deus: Ele observa, ouve, conhece, desce, liberta. Deus não é indiferente. Está atento e age.
De igual modo, no seu Filho Jesus, Deus desceu ao meio dos homens, encarnou e mostrou-Se solidário com a humanidade em tudo, excepto no pecado. Jesus identificava-Se com a humanidade: «o primogénito de muitos irmãos» (Rm 8, 29). Não se contentava em ensinar às multidões, mas preocupava-Se com elas, especialmente quando as via famintas (cf. Mc 6, 34-44) ou sem trabalho (cf. Mt 20, 3). O seu olhar não Se fixava apenas nos seres humanos, mas também nos peixes do mar, nas aves do céu, na erva e nas árvores, pequenas e grandes; abraçava a criação inteira. Ele vê sem dúvida, mas não Se limita a isso, pois toca as pessoas, fala com elas, age em seu favor e faz bem a quem precisa. Mais ainda, deixa-Se comover e chora (cf. Jo 11, 33-44). E age para acabar com o sofrimento, a tristeza, a miséria e a morte.
Jesus ensina-nos a ser misericordiosos como o Pai (cf. Lc 6, 36). Na parábola do bom samaritano (cf. Lc 10, 29-37), denuncia a omissão de ajuda numa necessidade urgente dos seus semelhantes: «ao vê-lo, passou adiante» (Lc 10, 32). Ao mesmo tempo, com este exemplo, convida os seus ouvintes, e particularmente os seus discípulos, a aprenderem a parar junto dos sofrimentos deste mundo para os aliviar, junto das feridas dos outros para as tratar com os recursos de que disponham, a começar pelo próprio tempo apesar das muitas ocupações. Na realidade, muitas vezes a indiferença procura pretextos: na observância dos preceitos rituais, na quantidade de coisas que é preciso fazer, nos antagonismos que nos mantêm longe uns dos outros, nos preconceitos de todo o género que impedem de nos fazermos próximo.
A misericórdia é o coração de Deus. Por isso deve ser também o coração de todos aqueles que se reconhecem membros da única grande família dos seus filhos; um coração que bate forte onde quer que esteja em jogo a dignidade humana, reflexo do rosto de Deus nas suas criaturas. Jesus adverte-nos: o amor aos outros – estrangeiros, doentes, encarcerados, pessoas sem-abrigo, até inimigos – é a unidade de medida de Deus para julgar as nossas acções. Disso depende o nosso destino eterno. Não é de admirar que o apóstolo Paulo convide os cristãos de Roma a alegrar-se com os que se alegram e a chorar com os que choram (cf. Rm 12, 15), ou recomende aos de Corinto que organizem colectas em sinal de solidariedade com os membros sofredores da Igreja (cf. 1 Cor 16, 2-3). E São João escreve: «Se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele?» (1 Jo 3, 17; cf. Tg 2, 15-16).
É por isso que «é determinante para a Igreja e para a credibilidade do seu anúncio que viva e testemunhe, ela mesma, a misericórdia. A sua linguagem e os seus gestos, para penetrarem no coração das pessoas e desafiá-las a encontrar novamente a estrada para regressar ao Pai, devem irradiar misericórdia. A primeira verdade da Igreja é o amor de Cristo. E, deste amor que vai até ao perdão e ao dom de si mesmo, a Igreja faz-se serva e mediadora junto dos homens. Por isso, onde a Igreja estiver presente, aí deve ser evidente a misericórdia do Pai. Nas nossas paróquias, nas comunidades, nas associações e nos movimentos – em suma, onde houver cristãos –, qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de misericórdia».[20]
Deste modo, também nós somos chamados a fazer do amor, da compaixão, da misericórdia e da solidariedade um verdadeiro programa de vida, um estilo de comportamento nas relações de uns com os outros.[21] Isto requer a conversão do coração, isto é, que a graça de Deus transforme o nosso coração de pedra num coração de carne (cf. Ez 36, 26), capaz de se abrir aos outros com autêntica solidariedade. Com efeito, esta é muito mais do que um «sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas, próximas ou distantes».[22] A solidariedade «é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos»,[23] porque a compaixão brota da fraternidade.
Assim entendida, a solidariedade constitui a atitude moral e social que melhor dá resposta à tomada de consciência das chagas do nosso tempo e da inegável interdependência que se verifica cada vez mais, especialmente num mundo globalizado, entre a vida do indivíduo e da sua comunidade num determinado lugar e a de outros homens e mulheres no resto do mundo.[24]
Fomentar uma cultura de solidariedade e misericórdia para se vencer a indiferença
6. A solidariedade como virtude moral e comportamento social, fruto da conversão pessoal, requer empenho por parte duma multiplicidade de sujeitos que detêm responsabilidades de carácter educativo e formativo.
Penso em primeiro lugar nas famílias, chamadas a uma missão educativa primária e imprescindível. Constituem o primeiro lugar onde se vivem e transmitem os valores do amor e da fraternidade, da convivência e da partilha, da atenção e do cuidado pelo outro. São também o espaço privilegiado para a transmissão da fé, a começar por aqueles primeiros gestos simples de devoção que as mães ensinam aos filhos.[25]
Quanto aos educadores e formadores que têm a difícil tarefa de educar as crianças e os jovens, na escola ou nos vários centros de agregação infantil e juvenil, devem estar cientes de que a sua responsabilidade envolve as dimensões moral, espiritual e social da pessoa. Os valores da liberdade, respeito mútuo e solidariedade podem ser transmitidos desde a mais tenra idade. Dirigindo-se aos responsáveis das instituições que têm funções educativas, Bento XVI afirmava: «Possa cada ambiente educativo ser lugar de abertura ao transcendente e aos outros; lugar de diálogo, coesão e escuta, onde o jovem se sinta valorizado nas suas capacidades e riquezas interiores e aprenda a apreciar os irmãos. Possa ensinar a saborear a alegria que deriva de viver dia após dia a caridade e a compaixão para com o próximo e de participar activamente na construção duma sociedade mais humana e fraterna».[26]
Também os agentes culturais e dos meios de comunicação social têm responsabilidades no campo da educação e da formação, especialmente na sociedade actual onde se vai difundindo cada vez mais o acesso a instrumentos de informação e comunicação. Antes de mais nada, é dever deles colocar-se ao serviço da verdade e não de interesses particulares. Com efeito, os meios de comunicação «não só informam, mas também formam o espírito dos seus destinatários e, consequentemente, podem concorrer notavelmente para a educação dos jovens. É importante ter presente a ligação estreitíssima que existe entre educação e comunicação: de facto, a educação realiza-se por meio da comunicação, que influi positiva ou negativamente na formação da pessoa».[27] Os agentes culturais e dos meios de comunicação social deveriam também vigiar por que seja sempre lícito, jurídica e moralmente, o modo como se obtêm e divulgam as informações.
A paz, fruto duma cultura de solidariedade, misericórdia e compaixão
7. Conscientes da ameaça duma globalização da indiferença, não podemos deixar de reconhecer que, no cenário acima descrito, inserem-se também numerosas iniciativas e acções positivas que testemunham a compaixão, a misericórdia e a solidariedade de que o homem é capaz.
Quero recordar alguns exemplos de louvável empenho, que demonstram como cada um pode vencer a indiferença, quando opta por não afastar o olhar do seu próximo, e constituem passos salutares no caminho rumo a uma sociedade mais humana.
Há muitas organizações não-governamentais e grupos sócio-caritativos, dentro da Igreja e fora dela, cujos membros, por ocasião de epidemias, calamidades ou conflitos armados, enfrentam fadigas e perigos para cuidar dos feridos e doentes e para sepultar os mortos. Ao lado deles, quero mencionar as pessoas e as associações que socorrem os emigrantes que atravessam desertos e sulcam mares à procura de melhores condições de vida. Estas acções são obras de misericórdia corporal e espiritual, sobre as quais seremos julgados no fim da nossa vida.
Penso também nos jornalistas e fotógrafos, que informam a opinião pública sobre as situações difíceis que interpelam as consciências, e naqueles que se comprometem na defesa dos direitos humanos, em particular os direitos das minorias étnicas e religiosas, dos povos indígenas, das mulheres e das crianças, e de quantos vivem em condições de maior vulnerabilidade. Entre eles, contam-se também muitos sacerdotes e missionários que, como bons pastores, permanecem junto dos seus fiéis e apoiam-nos sem olhar a perigos e adversidades, em particular durante os conflitos armados.
Além disso, quantas famílias, no meio de inúmeras dificuldades laborais e sociais, se esforçam concretamente, à custa de muitos sacrifícios, por educar os seus filhos «contracorrente» nos valores da solidariedade, da compaixão e da fraternidade! Quantas famílias abrem os seus corações e as suas casas a quem está necessitado, como os refugiados e os emigrantes! Quero agradecer de modo particular a todas as pessoas, famílias, paróquias, comunidades religiosas, mosteiros e santuários que responderam prontamente ao meu apelo a acolher uma família de refugiados.[28]
Quero, enfim, mencionar os jovens que se unem para realizar projectos de solidariedade, e todos aqueles que abrem as suas mãos para ajudar o próximo necessitado nas suas cidades, no seu país ou noutras regiões do mundo. Quero agradecer e encorajar todos aqueles que estão empenhados em acções deste género, mesmo sem gozar de publicidade: a sua fome e sede de justiça serão saciadas, a sua misericórdia far-lhes-á encontrar misericórdia e, como obreiros da paz, serão chamados filhos de Deus (cf. Mt 5, 6-9).
A paz, sob o signo do Jubileu da Misericórdia
8. No espírito do Jubileu da Misericórdia, cada um é chamado a reconhecer como se manifesta a indiferença na sua vida e a adoptar um compromisso concreto que contribua para melhorar a realidade onde vive, a começar pela própria família, a vizinhança ou o ambiente de trabalho.
Também os Estados são chamados a cumprir gestos concretos, actos corajosos a bem das pessoas mais frágeis da sociedade, como os reclusos, os migrantes, os desempregados e os doentes.
Relativamente aos reclusos, urge em muitos casos adoptar medidas concretas para melhorar as suas condições de vida nos estabelecimentos prisionais, prestando especial atenção àqueles que estão privados da liberdade à espera de julgamento,[29]tendo em mente a finalidade reabilitativa da sanção penal e avaliando a possibilidade de inserir nas legislações nacionais penas alternativas à detenção carcerária. Neste contexto, desejo renovar às autoridades estatais o apelo a abolir a pena de morte, onde ainda estiver em vigor, e a considerar a possibilidade duma amnistia.
Quanto aos migrantes, quero dirigir um convite a repensar as legislações sobre as migrações, de modo que sejam animadas pela vontade de dar hospitalidade, no respeito pelos recíprocos deveres e responsabilidades, e possam facilitar a integração dos migrantes. Nesta perspectiva, dever-se-ia prestar especial atenção às condições para conceder a residência aos migrantes, lembrando-se de que a clandestinidade traz consigo o risco de os arrastar para a criminalidade.
Desejo ainda, neste Ano Jubilar, formular um premente apelo aos líderes dos Estados para que realizem gestos concretos a favor dos nossos irmãos e irmãs que sofrem pela falta de trabalho, terra e tecto. Penso na criação de empregos dignos para contrastar a chaga social do desemprego, que lesa um grande número de famílias e de jovens e tem consequências gravíssimas no bom andamento da sociedade inteira. A falta de trabalho afecta, fortemente, o sentido de dignidade e de esperança, e só parcialmente é que pode ser compensada pelos subsídios, embora necessários, para os desempregados e suas famílias. Especial atenção deveria ser dedicada às mulheres – ainda discriminadas, infelizmente, no campo laboral – e a algumas categorias de trabalhadores, cujas condições são precárias ou perigosas e cujos salários não são adequados à importância da sua missão social.
Finalmente, quero convidar à realização de acções eficazes para melhorar as condições de vida dos doentes, garantindo a todos o acesso aos cuidados sanitários e aos medicamentos indispensáveis para a vida, incluindo a possibilidade de tratamentos domiciliários.
E, estendendo o olhar para além das próprias fronteiras, os líderes dos Estados são chamados também a renovar as suas relações com os outros povos, permitindo a todos uma efectiva participação e inclusão na vida da comunidade internacional, para que se realize a fraternidade também dentro da família das nações.
Nesta perspectiva, desejo dirigir um tríplice apelo: apelo a abster-se de arrastar os outros povos para conflitos ou guerras que destroem não só as suas riquezas materiais, culturais e sociais, mas também – e por longo tempo – a sua integridade moral e espiritual; apelo ao cancelamento ou gestão sustentável da dívida internacional dos Estados mais pobres; apelo à adopção de políticas de cooperação que, em vez de submeter à ditadura dalgumas ideologias, sejam respeitadoras dos valores das populações locais e, de maneira nenhuma, lesem o direito fundamental e inalienável dos nascituros à vida.
Confio estas reflexões, juntamente com os melhores votos para o novo ano, à intercessão de Maria Santíssima, Mãe solícita pelas necessidades da humanidade, para que nos obtenha de seu Filho Jesus, Príncipe da Paz, a satisfação das nossas súplicas e a bênção do nosso compromisso diário por um mundo fraterno e solidário.
Vaticano, no dia da Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria e da Abertura do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, 8 de Dezembro de 2015.
FRANCISCUS


[1] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes, 1. 
 
[2] Cf. ibid., 3. 
 
[3] Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia Misericordiae Vultus, 14-15. 
 
[4] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 43. 
 
[5] Cf. ibid., 16. 
 
[6] Carta enc. Populorum progressio, 42. 
 
[7] «A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. A razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade» (Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 19). 
 
[8] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 60. 
 
[9]Cf. ibid., 54. 
 
[11] Cf. Carta enc. Laudato si’, 92. 
 
[12] Cf. ibid., 51. 
 
[14] Ibidem. 
 
[16] Cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 217-237. 
 
[17] «Enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão. Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reacção violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e económico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça» (Exort. ap.Evangelii gaudium, 59). 
 
[18] Cf. Carta enc. Laudato si’, 31; 48. 
 
[20] Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia Misericordiae Vultus, 12. 
 
[21] Cf. ibid., 13. 
 
[22] João Paulo II, Carta enc. Sollecitudo rei socialis, 38. 
 
[23] Ibidem. 
 
[24] Cf. Ibidem.