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Mensagem Bento XVI, Dia Mundial das Missões 2010
















quinta-feira, 4 de abril de 2019




Francisco compreendeu o «essencial da vida que é Deus»
04.04.2019
É uma das maiores especialistas na vida dos pastorinhos de Fátima, e ninguém esquece o sorriso rasgado com que participou na cerimónia de canonização das crianças Francisco e Jacinta. Quando passam 100 anos sobre a morte de Francisco, a Ir. Ângela Coelho leva-nos a conhecer melhor este menino que já era «diretor espiritual» de Lúcia e Jacinta.
  
É o centenário da morte de Francisco... como é que tudo aconteceu?
No final de 1918, Francisco e sua irmã Jacinta ficaram doentes, por altura do Outono, da gripe espanhola, uma epidemia que apareceu no pós I Guerrra Mundial e assolou a Europa e uma grande parte do mundo. Ficaram eles os dois, mas muita gente em Fátima, eles não foram os únicos. A única diferença é que eles tinham a consciência de que isso ia acontecer. Não que iriam ficar com gripe, mas que iriam morrer, porque Nossa Senhora lhes tinha dito na aparição de junho. E é a partir dessa aparição que eles começam de facto a exprimir este conhecimento de que iam para o Céu e que estavam muito contentes por isso, porque iam ter com Nossa Senhora e Nosso Senhor. Entretanto, o Francisco fica logo ali doente e vai acamar, e é o primeiro a ficar fragilizado e depois morre no dia 4 de abril de 1919. À noite, ao cair do dia, na sua casa em Fátima. É o único que morre em Fátima.

Morre em paz?
Morre em paz. Ele teve dois grandes desejos antes de morrer: comungar para tomar “Jesus escondido”, e para isso precisava de se confessar, porque naquela época ninguém comungava antes de se confessar. É muito bonito, porque o padre consentiu nisto e uma das coisas que me encanta na hora da morte do Francisco é precisamente isto: a sua preparação para a confissão. Já estava na cama, e uma das irmãs vai chamar a Lúcia porque o Francisco queria falar com ela. Isto terá sido no dia 2 de abril, e ele pede à Lúcia «diz-me se me viste fazer algum pecado», e isto é tão bonito. Ele pede a ajuda para que o ajudem a fazer o seu grande exame de consciência. É extraordinário, e sabemos os pecados: a Lúcia diz que o viu desobedecer de vez em quando aos pais quando lhe diziam para não ir ter com ela à pastagem e ele ia, e a Jacinta tinha-o visto pegar num tostão para comprar um instrumento musical sem autorização dos pais, e quando os rapazes de uma aldeia de Boleiros atiraram pedras aos de Fátima, ele também atirou pedras aos de Boleiros. Ele diz «esse já os confessei, mas volto a confessar», e depois tem esta expressão tão bonita «secalhar é por causa dos meus pecados que Nosso Senhor anda tão triste, mas eu, se vivesse, não cometeria mais nenhum, porque estou mesmo arrependido». Vemos nesta confissão uma enorme delicadeza de alma. Por um lado, delicadeza e simplicidade. Só uma pessoa muito simples é que pede aos outros “ajuda-me a ver o que eu fiz de mal”.

Mesmo no fim, não deixa as suas companheiras de missão...
É alguém que percebe que não faz caminho sozinho, que precisava da ajuda da Jacinta e da Lúcia até para este momento. Ele está a perguntar pelo pior de si mesmo, e é tão bonito isto no Francisco. Depois, mostra-nos outra das grandes características da confissão, que é o “eu não volto a fazer, estou mesmo arrependido”. Vemos o Francisco muito maduro espiritualmente. Faz a sua confissão e, no dia seguinte, 3 de abril à noite, o prior dá-lhe a comunhão e ele fica em profunda oração. Quando a Lúcia chega diz-lhe «hoje sou mais feliz que tu porque tenho no meu peito Jesus escondido», e no dia seguinte despedem-se de uma forma muito bonita. Lúcia descreve-a e diz «Adeus Francisco até ao Céu», uma despedida tão bonita, de quem morre em paz, a sofrer, mas com a certeza que se iriam encontrar no Céu.
  
O prior consentiu, disse. Eram tempos difíceis para eles...
As aparições estavam numa fase... em termos de Igreja não tinha havido pronunciamento, nem sequer o início do processo canónico de aprovação. Nem sequer o bispo havia chegado à diocese, porque Leiria estava no processo de se tornar independente do Patriarcado de Lisboa mas ainda não tinha bispo, que só chegará em 1920. Por isso é uma altura em que não há uma pessoa da Igreja que inicie os processos, está numa fase de descrédito e não está pacífico.

Mas era pouco usual uma criança pedir isto...
Mas é o Francisco (risos). A sua mãe conta no processo que ele olhou para a janela e disse «olha mãe que luz tão bonita», e ficou-se com um sorriso olhando para uma janela onde estava uma luz muito bonita.

Uma criança com uma maturidade espiritual de um adulto...
A maturidade espiritual do Francisco não apenas é superior a um bom cristão da sua idade, mas de facto em alguns aspetos foi alcançado por aquilo que é a nossa Verdade. A verdade do ser humano enquanto filho de Deus, e isso tanto dá para as crianças como para os adultos. Ele percebe o essencial da vida e vive a partir daí. E o essencial da vida é Deus. O núcleo mais essencial é a nossa relação com Deus e o Francisco vive tudo a partir daí. Isso é excecional mesmo para um adulto. Durante todo o percurso das Aparições ele fica muito centrado no essencial, acho que é a característica dele que mais amo, e que mais sinto como um dos grades desafios para o nosso tempo.

Como é que é vivida a morte dele?
É vivida com saudades, sobretudo a Jacinta, que tem muitas saudades dele, mas era animada pela ideia de que em breve estaria com ele. Creio que a que mais sofre é a Lúcia, porque não só sofre as saudades concretas do Francisco, mas vai sofrer depois as saudades concretas da Jacinta e uma coisa ainda mais dura que é a solidão dos únicos que a podiam entender, os únicos companheiros de viagem numa época da história em que ela tem muito pouca gente que acredite nela, a começar pela sua mãe, que não acredita nela e não vai acreditar até ao fim. Respeitam-na, tratam-na bem, porque há uma fase em que a chegam a maltratar. De qualquer forma, naquela época a mortalidade infantil era tão grande que não há o viver a morte como há hoje. Hoje é mais o sentido do desespero, muitas vezes são filhos únicos e um pai que perde uma criança hoje perde muito futuro. Naquela altura, temos de perceber que a morte era vivida de forma diferente, era mais natural. Não há nenhum desespero, há uma aceitação serena da vontade de Deus, porque era gente que já vivia nessa serenidade, numa conjuntura em que também se tem de incluir a epidemia do pós-guerra. Neste quadro a morte era vivida com mais naturalidade. O que havia era muita saudade, não só da Lúcia e da Jacinta, mas do Ti Marto, o pai do Francisco que gostava muito do menino, tinha uma afeição muito grande por ele e gostava mesmo muito dele.
Qual é o papel do Francisco na “equipa” dos três pastorinhos?
Eu chamo-lhe o diretor espiritual do grupo. A Lúcia era a líder, e o Francisco o diretor espiritual. Digo isto porque, naqueles momentos de dúvida da Lúcia, ele dá aqueles conselhos mais sábios, usando critérios engraçados. Durante as aparições, a Lúcia não quer ir à aparição de julho porque as pessoas começaram a dizer que aquilo só podia ser coisa do Demónio. Eles começam a trocar argumentos com a Lúcia dizendo que o Demónio é feio e Nossa Senhora é bonita, portanto só podia ser Nossa Senhora, ou porque Nossa Senhora ia para o Céu e eles sabem que o Demónio vinha debaixo da terra. Depois, nas aparições, quando ele vê a Lúcia estar com muitas brincadeiras que lhe parece que podem levar a atitudes que seriam pecado, como os bailes de Carnaval, ou quando ela vinha da escola em grande gritaria com os companheiros, é Francisco quem diz «então mas tu ainda andas com essas companhias? Não venhas com eles», e dá conselhos, diz «quando acabar a escola vais ter com Jesus escondido na Igreja, enquanto os meninos se vão embora, e depois vens sozinha». Dos três, ele assume este papel do conselheiro. Também é aquele que reza, muito, e tem sempre aquela palavra de estímulo, que consola, que encoraja. Mesmo não tendo a mesma perceção das aparições que elas as duas, porque ele não ouvia nada, mas para ele é igual, porque aceita bem a sua condição, que eu acho uma coisa fantástica até para os dias de hoje, e é assim que eu o vejo.

Ele também tem aquela predileção pelo Jesus escondido, uma das suas imagens mais fortes...
Sim. O Francisco já era contemplativo, já via a presença de Deus nas coisas ainda antes das aparições. Gostava de estar sozinho, mas com os seus botões. A seguir à aparição do Anjo e à comunhão eucarística que fizeram, o intuir que Deus estava triste e que, fazendo-lhe companhia, o consolava, isto apanhou-o por completo, e passa a ser o centro conformador de toda a sua existência. Muito concretamente, isso é estar na paróquia, e ele começa a estar na igreja, no sacrário, até porque já estava muito doente e a caminhar com dificuldade. Mas a adoração do Francisco não é apenas eucarística, é adorar a Deus em todo o lugar, Deus presente nele. Ele sabe-se habitado por Deus, e gostava de se afastar da prima e da irmã para ir para um penedo rezar o seu terço, ou muitas vezes nem estava a rezar e elas vinham perguntar-lhe o que ele estava a fazer e ele dizia «estou a pensar em Jesus», e isto é a contemplação. Francisco gosta mesmo de estar com Jesus. Eu costumo dizer que ele aprendeu com Jesus escondido a esconder-se...

Quando ia rezar na igreja, muitas vezes nem o encontravam...
Como a Igreja estava em obras, e o sacrário estava à porta da igreja ao pé da pia batismal, ele ficava entre a pia batismal e o sacrário. Ninguém o via, porque ele não gostava que mais ninguém ouvisse a sua oração. Ele aprendeu a ser discreto, a fazer o bem sem ninguém saber. E ensina-nos, até no nosso tempo, este gosto pelo silêncio. Temos tanta necessidade de silêncio, porque estamos a desconetar-nos de nós próprios. Estamos tão ligados, de forma quase essencial para a vida, e não conseguimos estar em silêncio. O Francisco é um menino que continua criança com a sua atividade de pastor na sua casa. E como ele consegue encontrar tempo para ficar sozinho e em silêncio. Gosto muito de ver o Francisco silencioso a ensinar-nos a aprender o silêncio. Vejo-o quieto, sossegado, e a fazer-nos entender a relatividade das coisas. Não fui o melhor da escola... e então? É uma indiferença boa, de aceitar as suas limitações. O Francisco era o único que não ouvia, o que mais dificuldade tinha em entender, é o primeiro a ficar doente e a morrer... podia sentir-se diminuído ou colocado de parte, mas nunca o faz. Aceita a sua condição, e aceita a sua forma de participar neste mistério. Não há competição entre eles os três, e por isso não há ciúmes nem invejas. Eu acho isto tão atual, a sério, numa sociedade onde são os próprios pais a incutir nos filhos esta competição. Mas só um é que é feliz na turma, no desporto, na competição? E Francisco ensina-nos isto, porque como estava tão fundado em Deus, tudo o resto... que importa? E quando se vive isso, entendeu-se a vida e o sentido da vida.
Uma criança difícil de ler...
O Francisco é o mais difícil de aceder, porque ele esconde-se. No processo de redação das memórias, ele só chega na 4ª carta. São precisas três cartas para que alguém que pede as cartas à Lúcia se aperceba que falta falar dele. E mesmo no processo dos pastorinhos, a Jacinta tem dois volumes e ele só tem uma. As pessoas não o conhceram tão bem, mas as poucas frases que ele diz têm impacto. Depois da canonização têm chegado mais cartas sobre graças concedidas pelo Francisco, estou a notar isto.
Quando cheguei à causa as graças eram dirigidas à Jacinta ou aos dois em conjunto. Agora é aos dois em conjunto e ao Francisco, é tão engraçado...

A canonização ajudou-o a tornar-se mais conhecido?
Sim, o processo que levou à canonização ajudou. Eu mesma só acedi ao Francisco em 2009, nos 90 anos da sua morte. Pediram-me uma conferência sobre o Francisco e eu pensei «uma hora a falar sobre o Francisco? O que é que eu vou dizer durante uma hora? não vou ter matéria»... até que me pus a estudar as memórias todas só olhando para o Francisco, até sublinhei as passagens onde ele aparecia. E percebi que há muito mais sobre ele do que possa parecer. O episódio do pássaro, por exemplo, que eu conto rapidamente. Eles vão os três e, na Lagoa da carreira (onde hoje é a rotunda sul), encontram um menino que tem preso um pássaro. E o Francisco diz ao menino para soltar o pássaro, e o miúdo diz que só se ele lhe der dinheiro, e ele aceita. Mas o rapaz queria o dinheiro primeiro, e o Francisco faz todo o caminho para casa – 10 a 15 minutos – para ir bucar o dinheiro. O miúdo dá-lhe o pássaro, e ele solta-o. A Lúcia diz que ele «bate as palmas de contente dizendo “vê lá não te voltem a apanhar”». Mas se reparar bem, o Francisco só perdeu: tempo a ir e vir a casa, o dinheiro, e depois o pássaro. Porque é que bate as palmas de contente? Ele fica feliz tendo perdido tudo, porque ele sabe que a felicidade está em o pássaro ser livre. Como Jesus, que aceitou perder tudo, inclusive a própria vida, para que fossemos livres. Este o Francisco, o menino que ensina esta liberdade interior. No amor é preciso deixar livre quem amamos, e depois há a gratuidade, que não espera nada em contra.

O carinho é tão grande das pessoas por eles que arrisco a dizer que a canonização foi a única viagem do Papa Francisco em que ele não era o ator principal...
É extraordinário. Não sei se consigo dizer isso, mas havia muita coisa a acontecer que ultrapassava a figura do Santo Padre, e uma delas é a canonização. Repare que o Papa é interrompido duas vezes com palmas durante a leitura da fórmula da canonização. Eu senti um amor tão grande que ainda hoje quando revejo aquelas imagens comovo-me, porque as pessoas interrompem o Papa. As palmas são tão grandes... há um carinho muito grande, e tem aumentado muito. Às vezes é impressionante a quantidade de pessoas nos túmulos, não se consegue mesmo rezar sossegado naquela basílica.

E os relatos de graças têm aumentado?
Eu esperaria que terminassem de vez, mas continuam a chegar a uma média de 2 ou 3 por semana, é bom ver isto. O que recebemos arquivamos.
A vida destes dois são inspiradores para os cristãos de hoje. Continuamos a trabalhar para fusão das suas vidas e da sua espiritualidade com o mesmo entusiasmo porque acreditamos que o estilo de vida deles pode ser importante para o cristão do Século XXI.

Porquê?
Bom, pelas caraterísticas de viver a partir do essencial, não nos perdermos com coisas secundárias, como a imagem, ou a roupa, ou os telemóveis e computadores. As coisas em si não têm mal nenhum, o problema é quando isto nos traz uma angústia da existência. Ajuda-nos a aceitar a minha condição, dar o melhor de mim, mas aceitar quem sou, não entrando numa competição desenfreada, e às vezes desonesta, para conseguir os meus objetivos, simplesmente porque não aceito quem sou, e vivo infeliz por isso, e provoco esta infelicidade nos outros. Depois, a necessidade de parar e fazer silêncio. É o nível de saúde antropológico básico, ainda antes da minha fé. Depois ensina-nos o modo de ser crente, que passa pela Adoração Eucarística, por acompanhar Jesus, pela contemplação e pelo cuidado da Casa Comum, porque ele amava, de facto, a Natureza. E a mensagem do Papa para a Quaresma deste ano fala-nos também nisto.

Onde é que podemos aprender mais sobre Francisco em Fátima?
Um sítio fundamental é o Casa das Candeias, porque neste edifício construímos um pequeno museu, aberto todos os dias, de entrada gratuita, onde temos o   pouco espólio do Francisco e da Jacinta expostos. Temos os decretos das beatificações e canonização, e temos uma religiosa da Aliança de Santa Maria que explica as peças a partir do olhar do Francisco e Jacinta. São visitas que se podem marcar a partir do site www.pastorinhos.com
Depois os lugares relacionados com ele. O seu túmulo, onde estão depositados os seus restos mortais, na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Depois a sua casa em Aljustrel, que tem o quarto onde ele morreu, e os lugares mais importantes para ele, que é sobretudo a Local do Cabeço, não só porque teve lá a aparições do Anjo, porque era onde gostava mais de rezar, e os Valinhos e a igreja paroquial, onde está a pia batismal onde eles foram batizados, e o sacrário, que ainda hoje é o mesmo apenas mudou o local dentro da Igreja.

 
Entrevista e fotos: Ricardo Perna

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