Intervenção
no Sínodo dos Bispos de D. António Couto
Igreja
sinodal, próxima, fraterna e afectuosa
1. Viver «em
sínodo» é a vocação e a missão da Igreja peregrina e paroquial, casa de família
fraterna e acolhedora no meio das casas dos filhos e filhas de Deus, no belo
dizer do Beato Papa João Paulo II, Catechesi tradendae [1979], n.º 67; Christifideles
Laici [1988], n.º 26.
2. É também
o retrato da Igreja-mãe de Jerusalém, saído da paleta de tintas do Autor do
Livro dos Actos dos Apóstolos (2,42-47; 4,32-35; 5,12-15), que nos mostra uma
comunidade cristã bem assente em quatro colunas: o ensino dos Apóstolos (1), a
comunhão fraterna (2), a fracção do pão (3) e a oração (4), e com ramificações
em todas as casas e em todos os corações. Trata-se de uma comunidade bela que,
dia após dia, crescia, crescia, crescia. Não admira. Era uma comunidade
jovem, leve e bela, tão jovem, leve e bela, que as pessoas lutavam por entrar
nela!
Igreja da
anunciação
3. A vocação
e missão da Igreja não é coisa própria sua, mas radica, como exemplarmente
deixou escrito o Concílio Vaticano II, no seu Decreto Ad Gentes, no amor
fontal do Pai, que enviou em missão o Filho e o Espírito Santo (n.º 2). É nesta
missão que se enxerta a missão da Igreja, pelo que não compete à Igreja
inventar a missão ou decidir em que consista a missão. Na verdade, o rosto da
missão tem os traços do rosto de Jesus Cristo e já foi nele luminosamente
manifestado. Temos, pois, uma memória viva a fazer, viver e guardar todos os
dias.
Abrindo o
Evangelho de Marcos, reparamos logo que o primeiro afazer de Jesus não é pregar
ou ensinar, mas ANUNCIAR, que traduz o verbo grego kêrýssô: anunciar o
Evangelho (Mc 1,14). E qual é a primeira nota que soa quando Jesus se diz com o
verbo ANUNCIAR? É, sem dúvida, a sua completa vinculação ao Pai, de quem é o
Arauto, o Mensageiro, o ANUNCIADOR (kêryx). Pura transparência do Pai,
de quem diz o que ouviu dizer (Jo 7,16-17; 8,26.38.40; 14,24; 17,8) e faz o que
viu fazer (Jo 5,19; 17,4). Recebendo todo o amor fontal do Pai, bebendo da
torrente cristalina do amor fontal do Pai (Sl 110,7), Jesus, o Filho, é pura
transparência do Pai, e pode, com toda a verdade dizer a Filipe: «Filipe […],
quem me vê, vê o Pai» (Jo 14,9).
4. Tudo, no
arauto, na mensagem que transmite (kêrygma) e no estilo com que o faz,
remete para o seu Senhor. A primeira nota de todo o ANUNCIADOR ou arauto ou
mensageiro consiste na sua FIDELIDADE Àquele que lhe confia a mensagem que deve
anunciar. É em Seu Nome que diz o que diz; é em Seu Nome que diz como
diz.
5. O
missionário só tem autoridade na medida em que é fiel a Cristo e como Ele
obediente, nada dizendo ou fazendo por sua conta e risco. Só pode dizer e fazer
aquilo que, por graça, lhe foi dado ouvir, aquilo que, por graça, lhe foi dado
ver fazer. O missionário não pode deixar de estar vinculado a Cristo, nele
configurado e transfigurado. O Papa Bento XVI disse-o assim: «Tudo se define a
partir de Cristo, quanto à origem e à eficácia da missão». E acrescentou este
singular desabafo: «Quanto tempo perdido, quanto trabalho adiado, por
inadvertência deste ponto» (Homilia da Santa Missa, Grande Praça da Avenida dos
Aliados, Porto [Portugal], 14 de Maio de 2010).
Igreja da
fidelidade
6. Impõe-se
ainda dizer, é mesmo necessário ainda dizer, em jeito de conclusão ou de
introdução, que aquilo que me parece ser mais importante na expressão «nova
evangelização» não é tanto a novidade de métodos, expressões ou estratégias,
mas a FIDELIDADE da Igreja ao Senhor Jesus (Paulo VI, Evangelii
Nuntiandi [1975], n.º 41), ao seu estilo, ao seu modo de viver, de fazer e
de dizer: Dom total de si mesmo num estilo de vida pobre, humilde,
despojado, feliz, apaixonado, ousado, próximo e dedicado. Passa por aqui
sempre o caminho e o rosto da Igreja, que tem de fazer a memória do seu Senhor,
configurando-se com o seu Senhor e transfigurando-se no seu Senhor. Impõe-se,
portanto, uma verdadeira conversão do coração, e não apenas uma mudança
de verniz. Sim, temos necessidade de anunciadores do Evangelho sem ouro, nem
prata, nem cobre, nem bolsas, nem duas túnicas (Mt 19,9-10; Mc 6,6-8; Lc
9,3-4)… Sim, é de conversão que falo, e pergunto: por que será que os
Santos se esforçaram tanto, e com tanta alegria, por ser pobres e humildes, e
nós nos esforçamos tanto, e com tristeza (Mt 19,22; Mc 10,22; Lc 18,23), por
ser ricos e importantes?
+ António
José DA ROCHA COUTO