Reconhecer o Senhor na Sua Cruz
1. Ano da Fé! Convite do Santo Padre a aprofundar a realidade da nossa
vida. A fé é uma atitude exigente, que não nos oferece a experiência sensível
das outras realidades, mas introduz na nossa vida uma realidade decisiva: a
pessoa de Jesus Cristo, Filho de Deus feito Homem, que morreu por nós e venceu
definitivamente a morte, fazendo-nos participantes dessa vitória.
Ouvimos a Carta aos Hebreus: “A fé é um modo de possuir já aquilo que se
espera, é um meio de conhecer realidades que não se veem” (He. 11,1). E dessas
realidades a primeira e decisiva é Jesus Cristo, Filho de Deus e Homem real,
que nos convida a unirmo-nos a Ele para fazermos juntos a caminhada da vida.
Uma das fragilidades da fé é não vivermos esse realismo da pessoa de Jesus
na nossa vida, Ele que uniu a nossa humanidade à Sua para caminharmos juntos em
direção à vida plena e definitiva. No encontro com Jesus Cristo, na fé, está
sempre presente a esperança dessa etapa definitiva.
Voltemos a meditar a Carta aos Hebreus que há pouco escutámos: “Necessitais
apenas de perseverança, a fim de cumprirdes a vontade de Deus, e assim
alcançardes o que Ele prometeu. Porque falta apenas um pouco e Aquele que deve
vir vai chegar e não tardará” (He. 10,37-37).
2. A dificuldade deste realismo no reconhecer Jesus Cristo na totalidade de
sentido da Sua existência sentiram-na os Apóstolos quando o Senhor ressuscitado
lhes aparece. Para eles a humanidade do Homem Jesus tinha acabado no Sepulcro.
Aquela figura que lhes aparece pode ser um espírito qualquer, mas não é o
Senhor. E quais são os sinais que Ele, agora glorioso, usa para os levar a
aceitar o realismo da Sua Pessoa e daquela aparição? Os sinais da Sua paixão.
Diz a Tomé, o mais renitente em acreditar: “Chega aqui o teu dedo e vê as
minhas mãos. Estende a tua mão e mete-a no meu lado. Não sejas incrédulo, mas
crente” (Jo. 20,27). O Corpo glorioso do Senhor não podia ter as marcas do
suplício da Cruz. Se Cristo as mostra é porque sabe, misteriosamente, que a
identificação do ressuscitado passa pela identificação do crucificado.
É na Eucaristia, principal sacramento da nossa fé que este realismo da Cruz
nos leva a encontrar o ressuscitado. “Tomai e comei, isto é o Meu Corpo
entregue por vós”. “Tomai e bebei, este é o cálice do Meu sangue… derramado por
vós”. Na Eucaristia, no mesmo ato em que, como povo sacerdotal, nos unimos a
Cristo glorioso para oferecer a Deus Pai o sacrifício redentor, confrontamo-nos
sempre com o realismo da Cruz. A Eucaristia celebra a atualidade do sacrifício
redentor de Cristo e esse acontece na Cruz e encontra a sua plenitude na
ressurreição. O Cristo que vem ao nosso encontro, na fé, que quer caminhar
connosco até ao triunfo da vida, continua a ser o crucificado ressuscitado. É
por isso que, na Liturgia, é obrigatório quer a Cruz presida ao altar da Eucaristia.
3. Como o Senhor mostrou aos Apóstolos ao aparecer-lhes depois da
ressurreição, os sinais que nos dá para a sua identificação realista são os da
Sua paixão: toca aqui nas minhas chagas e não sejas incrédulo. A nós diz-nos:
se me queres encontrar glorioso na celebração eucarística, na adoração da Minha
presença real no meio de vós, contempla a minha Cruz. Isto leva-nos a meditar
sobre o papel da Cruz, da adoração da Cruz do Senhor na nossa caminhada de fé.
Esta presença do crucificado na adoração do Cristo glorioso é própria da fé,
isto é, de uma fase da nossa vida em que precisamos, para identificar o Senhor,
do realismo de sinais sensíveis. E para o autor da Carta aos Hebreus, o justo
vive da fé (cf. He. 10,38).
Viver da fé, encontrarmo-nos com Cristo, na fé, identificando a nossa vida
com a d’Ele, leva-nos a ansiar pela plenitude da vida, mas também a viver a
nossa cruz, a realidade do sofrimento da nossa vida, participando do amor, da
coragem e da esperança com que Ele abraçou a sua Cruz. Não é por acaso que é
nessa coragem de abraçar a própria cruz, que encontramos mais realisticamente o
Cristo glorioso. É nessa experiência de dom e de oferta da nossa própria vida
que cresce em nós, em alegria libertadora, a esperança da vida eterna, que
outra coisa não é do que a vontade de, em toda a nossa vida, seguir o Senhor,
agora e até ao fim.
Dessa identificação com o crucificado, brota a sabedoria, isto é, a
compreensão da vida, da sua beleza e do seu segredo. Como dizia a primeira
leitura, não a podemos encontrar nas coisas preciosas deste mundo; ela está
ligada à plenitude de Jesus Cristo. “Amei-a mais do que a saúde e a beleza e
decidi tê-la como luz, porque o seu brilho jamais se extingue” (Sab. 7,10-11).
4. Neste Ano da Fé, contemplemos a Cruz de Cristo, na ânsia de participar
na sua glória, e procuremos aí a luz, a força e o sentido da nossa caminhada na
vida.
Sé Patriarcal, 25 de outubro de 2012
D. José
Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa
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