Nha Nácia Gomi (1925-2011): Cabo Verde perdeu a Rainha do Finaçon / Actualidade / Detalhe de Notícia
13-2-2011
Nha Nácia Gomi (1925-2011): Cabo Verde perdeu a Rainha do Finaçon
No passado dia 3 de Fevereiro, pelas 23 horas, Nha Nacia Gomi faleceu. Considerada uma das referências da música tradicional cabo-verdiana, deixou este mundo aos 86 anos. Em todo o país, artistas, políticos e anónimos lamentaram o desaparecimento da Rainha do Finaçon.
A cantadeira estava internada em cuidados especiais, no Hospital Agostinho Neto, na cidade da Praia. Segundo o médico Paulo da Graça, citado pela RTC, Nácia apresentava um quadro clínico de crise hipertensiva e suspeita de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Na tarde do dia 3 de Fevereiro, tudo indicava que o estado da artista era estável. No entanto, durante a noite o quadro clínico ter-se-á complicado e Nácia Gomi não resistiu, acabando por falecer. Segundo informações do responsável das urgências do HAN, Nha Nacia Gomi faleceu pelas 23 horas com um quadro de Acidente Vascular Cerebral (ACV) e bronco pneumonia.
Bandeira a meia haste
Ao saber do acontecido, o Governo decretou Luto Nacional no passado sábado, 5 de Fevereiro, dia em que se realizou o funeral da malograda, no cemitério Achada Igreja, em Santa Cruz. Durante o período de luto nacional, a Bandeira Nacional esteve a meia-haste em todos os edifícios públicos do país e nas representações diplomáticas e consulares.
Antes do funeral, marcado para as 16 horas, os restos mortais de Nha Nácia Gomi ficaram em câmara ardente no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Santa Cruz, cidade de Pedra Badejo. Centenas de pessoas, entre familiares, artistas, amigos, e algumas personalidades políticas acompanharam a cerimónia fúnebre. Vários grupos de batuque também acompanharam a cerimónia, entoando vários temas.
"Uma mulher dedicada à cultura de Cabo Verde," assim caracterizou Nha Nácia Gomi, a Ministra do Ensino Superior, Ciência e Cultura. Em comunicado de imprensa, o Governo expressou condolências "pela perda da mulher cuja trajectória constitui um exemplo". Para o executivo, ela inspirou o respeito pela preservação e divulgação da nossa memória colectiva.
O primeiro-ministro, José Maria Neves, classificou o falecimento da artista de "grande perda", e manifestou "a todos os artistas, a todos os músicos cabo-verdianos, ao município de Santa Cruz e a toda a família e amigos, os nossos pêsames e a nossa solidariedade neste momento de dor, de grande perda, mas a obra dela perdurará para sempre aqui em Cabo Verde".
O Presidente da República considerou que Cabo Verde acaba de perder uma das suas expoentes máximas das tradições orais e guardiã do Finason. Segundo Pedro Pires, Nha Nácia Gomi deixou aos cabo-verdianos um legado de mensagens profundas, genuinamente expressas nas parábolas do Finason, que interpretava com mestria e sabedoria popular."Reconforta-me, entretanto, depositar esperanças na nova geração que, certamente, saberá inspirar-se no seu exemplo de dedicação, generosidade e entrega à causa da cultura, e dará continuidade à sua obra, como ela, em vida, soube manter, bem aceso, o facho que recebera dos que a antecederam", frisou
O presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, Orlando Sanches, também mostrou-se consternado com o desaparecimento físico da rainha do Finason, "uma das grandes vozes da nossa música tradicional cabo-verdiana".
O presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, Orlando Sanches, também mostrou-se consternado com o desaparecimento físico da rainha do Finason, "uma das grandes vozes da nossa música tradicional cabo-verdiana".
Artistas consternados com "grande perda"
Em Cabo Verde e na diáspora, os artistas cabo-verdianos lamentaram a morte de Nácia Gomi, salientando a grande perda que isso representa para a cultura cabo-verdiana.
"Para mim, foi uma fonte que secou". Palavras de Zeca Nha Reinalda, que acrescenta que a cultura cabo-verdiana fica mais fraca cada vez que desaparece um artista do nível de Nha Nácia. O músico recorda a cantadeira como uma pessoa simples, do povo, e amiga dos outros. Gugas Veiga frisa também a simplicidade e alegria da cantadeira, salientando a perda de uma referência na música e na tradição oral cabo-verdiana. " Era uma pessoa muito alegre, tinha sempre uma estória para contar. Cantava tudo "de cabeça", tinha uma variedade musical impressionante porque as suas músicas nunca eram iguais. O seu sentido de improvisação e a sua técnica de memória impressionavam ainda mais. Ela nunca escrevia as suas canções, era tudo de memória. Era uma biblioteca andante", afirmou.
Para Tito Paris, "Cabo Verde fica mais pobre a partir do momento em que perdemos uma pessoa como ela, que fazia as suas poesias dirigidas a questões sociais". Sendo assim, salienta que "vamos ouvi-la sempre". Lembrar sempre o nome "dessa grande mulher de Cabo Verde" é um imperativo, para Leonel Almeida, que reitera que "a poetisa do povo deixou o mundo da música quase vazio".
A mesma ideia é repetida por Isa Pereira, para quem perdeu-se um património da nossa tradição oral. "Vamos lembrar dela com muito amor e reconhecimento pelo excelente trabalho que ela desenvolveu em prol da nossa cultura. Ela transmitia a emoção verdadeira da música, a emoção da música "di terra", salientou. Arlindo, membro do grupo Cordas do Sol frisa também a qualidade da artista. "Ela tinha uma técnica de improviso impressionante, um domínio da palavra que cativava. A sua poesia era de alta qualidade, riquíssima e cheia de segundas mensagens. Impressionava muito. Vê-la com aquela idade a cantar, a improvisar, era extraordinário", reitera.
Alma de tradiçon
Maria Inácia Gomes Correia, nome verdadeiro de Nácia Gomi, nasceu a 18 de Julho de 1925, na localidade de Ribeira Principal, concelho de São Miguel, mas residia no município de Santa Cruz desde criança.
Começou a cantar aos doze anos de idade, animando os casamentos e os baptizados por toda a ilha de Santiago.
Nha Nácia Gomi dedicou a sua vida à divulgação da cultura cabo-verdiana nos géneros de Finason e Batuku, e era uma sábia conhecedora da tradição oral. Foi uma das vozes da resistência cultural cabo-verdiana. Considerada a ‘rainha do finaçon', ficou também bastante conhecida como uma contadora de estórias.
Muita da sua música era improvisada no momento. Em 1985 o escritor e investigador cultural, Tomé Varela da Silva, organizou em livro os ‘finasons di Nha Nacia Gomi'.
Participou em vários projectos dos quais resultaram estudos, teses, reportagens e discos que irão eternizar as memórias desta humilde senhora que nunca escreveu. Gravou três discos e participou em muitos mais como convidada. Em 2005 lançou dois álbuns: ‘Finkadu na Raiz', com o tocador de batuque Ntóni Dênti d´Ôro, e ‘Ku ses Mocinhos'.
No dia 18 de Outubro de 2009, Dia Nacional da Cultura, foi homenageada pelo Centro Cultural Norberto Tavares.
Camponesa e de muita sabedoria popular, Nha Nácia Gomi prendia a atenção das pessoas pela forma cativante como transmitia as suas mensagens através do finaçon. Tornou-se assim numa figura incontornável no processo criativo da ilha de Santiago. O seu mérito é reconhecido dentro e fora do país, pelo que irá deixar, certamente, um grande vazio no panorama cultural cabo-verdiano.
Ilda Fortes, com agências
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